Janela indiscreta e o voyeurismo digital. Por Flávia Ferreira.

Qual seria a sua reação ao saber que está sendo espiado? O voyeurismo é um conceito que ganhou novos moldes na sociedade contemporânea, principalmente com a propagação das novas tecnologias que alimentaram a necessidade de ter aquilo que não se possui. A ótica do voyeur já foi retratada no cinema e a literatura, com destaque para os consagradas produções de Alfred Hitchcock ‘Rear Window’ (1954), ‘Vertigo’ (1958) ou ‘Psycho’ (1960). Em 1954, Hitchcock já nos mostrava um comportamento que iriamos repetir anos depois com a chegada das redes sociais, mesmo sem perceber. Através deses canais, analisamos comportamentos, vida e valores, criamos narrativas a partir de imagens que acessamos fora de contexto e, por vezes, também fora da ordem cronológica.

Na vida real, o voyeur é encarado como portador de um transtorno psíquico que, segundo o laboratório MSD (Merck, Sharp & Dohme), ‘envolve por em prática desejos ou fantasias voyeurísticas ou sentir angústia devido a essas vontades e fantasias ou ser incapaz de desempenhar funções devido a elas’. É um comportamento socialmente inaceitável que, dada a sua gravidade, pode ganhar caráter criminal e processos indenizatórios. Mas… e no mundo virtual?

Um relatório feito pela ‘We Are Social’ em parceria com a ‘Hootsuite’, apontou que 66% da população brasileira é usuária das redes sociais, o que soma mais de 140 milhões de usuários ativos. Os dados são de janeiro de 2019 e mostraram que – no mundo – 3,4 bilhões de pessoas estavam conectadas, gastando uma média de 2h16min por dia. Nós, brasileiros, com 3h34min, ficamos em segundo lugar no tempo gasto nas redes, perdendo apenas para as Filipinas (4h12min).

São incontáveis perfis, centenas de influenciadores, milhares de informações a poucos toques de distância. Por mais que o voyeurismo digital ultrapasse o caráter sexual – sempre associado à prática -, nós criamos um novo tipo de necessidade e, ouso dizer, de importância. É a curiosidade que alimenta a rede, é a responsável pela monetização dos sites, pelas ações de publicidade e pela criação dos influenciadores. A vida privada perdeu a importância, pois é a exibição de nossos atos, desejos, prazeres e ações que nos darão notoriedade. Está tudo lá, à mostra, disponível 24 horas por dia, esperando saciar um desejo infindável… de quem sequer sabemos quem é.

Flávia Ferreira é jornalista pós-graduada em Gestão Estratégica da Comunicação. Com mais de 10 anos de atuação profissional, já navegou pelo terceiro setor, o setor público e o privado, sempre trazendo o viés social para o trabalho cotidiano, seja com comunicação corporativa, gestão de marcas ou reportagens de campo.