Desvendando mitos sobre a comunicação para mobilização social - texto 3. Por Natália Gonzales.

Este é o último de uma série de três textos sobre comunicação para impacto social: como criar vínculos entre pessoas e causas.

Desvendando mitos sobre a comunicação para mobilização social.

#Mito 1: Se a causa aparece mais, ela tem mais potencial de mobilização.
#Mito 2: Disseminando bastante informação, minha causa já vai mais longe.
#Mito 3: É preciso furar sua própria bolha para sua causa ganhar mais espaço.

#Mito 3 – É preciso furar sua bolha para sua causa ganhar mais espaço

“Precisamos furar a nossa bolha” é uma necessidade constante que chega até nós quando organizações estão em busca de mais visibilidade. Porém, a nossa “réplica” para essa pergunta é: mas o quanto dessa bolha já conhece sua marca e sua causa? Eis a questão…

Gostaria de chamar a atenção para alguns pontos importantes que envolvem essa indagação:

1) Tomar cuidado para não focar somente em quantidade de pessoas envolvidas, e também na “qualidade”, ou seja, a profundidade do vínculo que está se criando;

2) Se ainda não envolvemos de forma mais profunda quem está na bolha e suas próprias redes, por que vamos tentar com quem está ainda mais distante? Será mais fácil ou mais demorado e trabalhoso?

3) Será que já estamos transitando pela maioria das possíveis estratégias de “explorar” toda a potência da comunicação mobilizadora ou estamos ainda relacionando as ações somente na perspectiva informacional da comunicação

Como mobilizar mais quem está por perto?

Precisamos considerar que os sujeitos necessitam tomar conhecimento do problema de forma mais profunda, possibilitando a compreensão como um todo da causa, além de conseguir visualizar o quão importante é sua ação no âmbito individual e também a força de sua atuação perante o grupo (coletivo). 

Além disso, é preciso considerar como facilitamos a formação do sentimento de solidariedade, tal sentimento permite aos participantes se sentirem parte do problema mesmo que não o viva diretamente, podendo colocar-se no lugar dos outros e encarar os problemas com uma visão daqueles que são beneficiados pela causa defendida.

A geração da corresponsabilidade, como um vínculo ideal entre os públicos e uma causa ou movimento é, portanto, um processo que depende da geração de um lento e contínuo aprendizado e que potencialmente se traduza numa transformação gradual de hábitos e atitudes, construindo novos significados e incorporando valores (HENRIQUES et al., 2002, p. 42).

Divulgação x coletivização: quais diferenças?

Para Toro e Werneck (2004), o que distingue a coletivização da simples divulgação é seu compromisso com os resultados. A divulgação, muitas vezes, possui caráter promocional ou simplesmente informativo. O resultado esperado com essa ação é que as pessoas tenham conhecimento de determinada informação. 

Já a coletivização, o foco principal é no compartilhamento da informação, não somente na sua circulação por si só, e o resultado que se deseja é que o público forme diferentes opiniões, que sejam próprias de cada indivíduo e se disponham a agir e ajam diante da causa divulgada e, além disso, possam se sentir donos da informação a ponto de a repassarem, utilizá-la e serem considerados fontes de novas informações sobre o projeto.

As causas sociais necessitam de sujeitos que as defendam e contribuam para a sustentação do que se propõe. Porém, tal posicionamento destes grupos necessita ser elaborado a ponto de convencer outras pessoas de outros grupos das quatro condições essenciais da coletivização:

1) Concretude: O problema percebido pelo movimento ou organização precisa se apresentar como algo concreto. As pessoas, que possuem diferentes repertórios e vivências, devem ser capazes de reconhecer a situação como problemática.

         Máxima desta condição: “Se eu não sei e não vejo que o problema existe, como vou me mobilizar por ele?”.

2) Caráter público: Reconhecer o problema por si só não é condição suficiente para que ele seja compreendido considerando sua dimensão coletiva, pública. Mesmo que determinados sujeitos não estejam inseridos na situação-problema, é necessário que estejam convencidos do caráter coletivo da causa defendida. Essa é a essência do processo de coletivização, temos de ver as temáticas das causas como possível ponto de partida para a formulação de políticas públicas e como algo que contempla a união de esforços de um grupo e, com a cooperação,  possam surgir soluções.

         Máxima desta condição: “Quem é afetado por esse problema? É uma realidade somente sua ou do coletivo?”.

3) Viabilidade: Após tornar pública a situação-problema, é necessário que tenha a geração de argumentos que elucidem a viabilidade de lutar pela solução. Trata-se de um convencimento dos sujeitos de que é possível alcançar alguma mudança, apesar das dificuldades, e que agir em conjunto é compensador.

         Máxima desta condição: “Entendi o que é o problema e a dimensão de quem é afetado por ele, mas me parece complexo demais e que vou perder meu tempo tentando ajudar, dá para resolver?”.

4) Sentido amplo: Uma determinada causa não pode ser apresentada somente com as particularidades imediatas do problema a ser tratado. Ao pensar a construção de um problema coletivo e de um processo mobilizador, é preciso inserir o objeto principal de trabalho em relação à causa em um quadro de valores mais amplo, assim, facilita o compartilhamento de ideais, além de aumentar a compreensão do impacto global que ações mais específicas podem alcançar. 

         Máxima desta condição: “Não vejo favorecimento diretamente a mim com essa ação, como isso me impacta de uma forma mais ampla?”.

Quando compreendemos as “profundezas” que podemos mergulhar com o entendimento da comunicação mobilizadora, a gente prioriza cuidar e envolver quem está na nossa bolha para que, inclusive, estas pessoas sejam potentes multiplicadoras da nossa causa para suas próprias bolhas. 

Que tal ao invés de furar e “invadir” uma bolha desconhecida e distante, a gente expandir a nossa própria bolha trazendo para perto quem já confiou na nossa causa, na nossa marca?

Este foi o terceiro e último texto da nossa série de Mitos sobre a Comunicação Mobilizadora, quer aprender mais sobre o tema, entre em contato comigo no meu LinkedIn 😉 ou acesse nossa plataforma de aprendizagem contínua sobre comunicação e mobilização de causas: s-lab.tech

Referências

HENRIQUES, Márcio Simeone; MAFRA, Rennan.; BRAGA, Clara. O Planejamento da Comunicação para a Mobilização Social: em busca da co-responsabilidade. In: HENRIQUES, Márcio (org). Comunicação e Estratégias de Mobilização Social. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2002. 

HENRIQUES, Márcio Simeone; WERNECK, Nisia Maria Duarte (org). Visões de Futuro: responsabilidade compartilhada e mobilização social: Autêntica, 2005.

MAFRA, Rennan. Entre o espetáculo, a festa e a argumentação – mídia, comunicação estratégica e mobilização social. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

TORO, Jose Bernardo & WERNECK, Nisia Maria Duarte. Mobilização social: um modo de construir a democracia e participação. Unicef Brasil, 1996. Disponível em http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/Publicacao_7104_em_23_05_2009_18_09_14.pdf

Natália dos Santos Gonzales é relações-públicas e mestra em comunicação (Unesp-Bauru) com mais de 12 anos de atuação com causas em organizações como Fundação Abrinq, Oracle, Mondelez International, Instituto Oncoguia e Amcham. CEO e cofundadora do Social.LAB, negócio acelerado pelo BNDES Garagem, que tem como objetivo fortalecer a comunicação e mobilização de organizações do terceiro setor. Mentora de comunicação para startups no Distrito.