Destino ou sorte grande? Por Juliana Fernandes Gontijo.

Viaduto da Lagoinha em Belo Horizonte. Este era o endereço de Josielmo Pereira da Silva, um jovem homem de 25 anos. Morador de rua, veio da cidade de Jacinto, no Vale do Jequitinhonha, quando ainda era adolescente. Perdera os pais numa enchente. Como não tinha irmãos, teve de aprender a se virar sozinho. Passou muita fome no Vale, mas também trabalhou duro por lá. Até que um dia, a empresa em que ele trabalhava como pedreiro faliu. Assim, não teve alternativa: veio para Beagá à procura de emprego também na construção civil, mas não conseguiu nada.

Quem iria contratar um homem sem nenhuma carta de recomendação, sem parentes e sem documentos? Assim ficou: sozinho na capital. Como não sabia ler, tinha mais dificuldades ainda. Começou a pedir esmolas na rua, morou em vários viadutos. Josielmo era um homem calado, não gostava muito de conversa. Considerado um chato, logo era expulso de um viaduto que ele escolhia.

Ele andava apenas com uma sacola de plástico, pendurada no ombro esquerdo. Lá dentro estavam um copo de alumínio, um prato, uma colher, uma faca e ainda um cobertor e um papelão p’ra dormir em qualquer canto. Usava um calção verde e uma camiseta preta que, de tão surrada, parecia até que levara alguns tiros de espingarda. Era um homem triste porque há sete anos morava nas ruas.

Numa ensolarada manhã de sábado, caminhando por uma rua da região, ao revirar um saco de lixo à procura de latinhas e garrafas PET, ele encontrou um bilhete de loteria. Mesmo não sabendo ler, ele conhecia esse bilhete. E vez por outra, pedia a alguns colegas da construção para lhe ajudar a fazer um jogo.

Resolveu pedir a ajuda das pessoas para saber se, quem sabe, o bilhete estivesse premiado. Mas quando se aproximava de alguém, elas nem queriam papo.

– Vai dar golpe em outro, ô malandro! Disse um homem engravatado.

Mas ele só queria saber onde teria uma loteria para conferir o bilhete… “E se ele estiver premiado?”, pensava ele. A essa altura, já estava falando sozinho no meio da rua.

O preconceito com gente humilde era e ainda continua gigantesco. A sociedade precisa mudar este pensamento.

– Uma pessoa de rua, toda suja, pedindo ajuda com um bilhete de loteria nas mãos? Isso só pode ser golpe, dizia outra senhora ao entrar num ônibus.

Josielmo era um rapaz de fibra, não perdia as esperanças assim rapidamente. E num tropeço numa pedra na esquina de uma avenida, caiu de cara nos pés de uma senhora mais velha, porém bastante apresentada, de nome Maria Aparecida dos Reis. Uma mulher loura, olhos verdes, não muito gorda e bastante delicada. Levantou-se com a ajuda dela e, muito sem graça, resolveu perguntar:

– Ei, dona, sabe onde tem uma loteria por aqui? É que eu achei este bilhete no meio do lixo que eu cato… e se “tiver” premiado?

Cida, como gostava de ser chamada, riu da história daquele rapaz mal vestido.

– Por favor, dona, me fala onde tem uma loteria. Meu Pai do céu me diz que ele é premiado…

Cida ficou desconfiada. E se fosse mais um golpe de tantos outros que sofrera, mas acabou cedendo.

– Eu te levo, meu rapaz, mas se isso for um golpe, mando a rapa te pegar.

Andaram alguns quarteirões e chegaram a uma loteria. Procuraram pelo resultado daquele jogo e o dono da loja disse o que Josielmo havia previsto… e veio a surpresa para Cida:

– Moço, você é um sortudo, há vários dias estamos anunciando que nossa loja vendeu o bilhete premiado e você só hoje apareceu por aqui…

Era a sorte grande! Josielmo se tornara um milionário: o prêmio máximo da Mega-Sena era de 52 milhões naquele jogo. E ele explicou que encontrou o bilhete no lixo.

Cida começou a tremer diante do dono da loteria. O mendigo, agora um homem rico, tratou de ampará-la, confabulando em seu ouvido:

– Dona Cida, a senhora me salvou. Eu preciso te ajudar. Pode me comprar uma roupa nova e “deixar eu” tomar um banho para que possamos tratar de um negócio?

– Não entendo, Josielmo. Você ficou rico, tome conta da sua vida agora… Eu não tenho mais importância para você…

– Tem sim, senhora. Pode me fazer este favor ou não? Perguntou insistentemente.

Receosa, a mulher respondeu que sim. Saíram da loteria, compraram roupas e depois do banho tomado, partiram direto para tirar documentos, que levaram alguns dias para ficar prontos. Cida, percebendo a honestidade daquele homem simples, tratou de hospedá-lo em sua casa, mesmo contra o pensamento de sua família. Afinal, ela também havia tirado a sorte grande… Então não custava fazer mais uma boa ação.

E não era preciso desconfiar de Josielmo. Ele sempre foi um homem de bom caráter, valores que recebeu de seus pais e avós.

Passados alguns dias, os novos amigos consumaram a divisão do dinheiro em um cartório e cada um seguiu seu rumo.

Josielmo voltou para Jacinto, refez a sua vida e se tornou um grande construtor de casas populares, deu emprego para muita gente…

Cida infelizmente teve um sério problema de saúde, mas o dinheiro que ganhou do amigo lhe ajudou no tratamento, melhorando sua qualidade de vida. Ela também ajudou uma sobrinha a estudar Medicina.

Todos os meses, Josielmo passava um final de semana na companhia de Cida em Belo Horizonte. Uma amizade que só cresceu com os anos, tudo por causa de um bilhete de loteria encontrado em um resto de lixo reciclável.

Caso acontecido ou conto de fim semana?

É que a vida tem algumas histórias que realmente são inacreditáveis… Esta, porém, é uma história fictícia e qualquer semelhança é mera coincidência.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.