COMUNICAÇÃO ACESSÍVEL E SEM FRONTEIRAS - A caverna da comunicação virtual. Por Bruna Ramos da Fonte.

Na primeira vez em que estive em Cuba, o acesso ao mundo virtual e à telefonia eram bastante restritos por lá: as casas ainda não tinham internet e o serviço de telefonia móvel atendia somente uma pequena parcela da população. Naquele momento, a ilha ainda estava tecnologicamente desconectada e o turista que precisasse fazer chamadas internacionais ou enviar e-mails inevitavelmente teria que recorrer aos grandes hotéis ou ao escritório da empresa de telecomunicação local. Para utilizar o serviço de internet era preciso adquirir um cartão caríssimo, o qual dava direito a períodos de meia hora de uma conexão mais lenta do que as primeiras conexões discadas que tivemos no Brasil e, devido à lentidão, um cartão de meia hora era suficiente para redigir e enviar não mais do que dois ou três e-mails curtos. Acostumada a estar conectada quase que em tempo integral, confesso que nos primeiros dias estranhei bastante aquele meu novo ritmo de vida; estava habituada a viajar por longos períodos, mas não sentia muito o efeito da distância na minha vida pessoal ou profissional, pois independentemente de onde estivesse, estava em constante contato com familiares, amigos e colegas de trabalho.

Nos meus primeiros três dias em Havana, uma tempestade tropical não me deixou sair da casa onde estava hospedada, então aproveitei o tempo livre para trabalhar nos projetos que estavam em andamento. Ao final de três dias, havia concluído o trabalho que normalmente levaria não menos do que uma semana e meia para fazer, pelo simples fato de ter conseguido trabalhar sem nenhuma distração que atrapalhasse a minha concentração. Apesar de ter trabalhado menos horas do que normalmente trabalhava, havia produzido mais e tido tempo para outras atividades que na minha rotina normal não aconteciam, como passar uma tarde inteira na cadeira de balanço da varanda sem nenhuma pressa. Com tempo livre para pensar e contemplar, pude observar o curioso movimento da rotina familiar na casa da frente, conversar com pedestres e até mesmo ver o arco-íris que se formou logo após uma tempestade. Aqueles dias me fizeram lembrar que, nas vinte e quatro horas do dia, sempre houve espaço suficiente para tudo aquilo que precisamos e queremos realizar; o problema nunca foi a duração do dia, mas sim a forma como nós começamos a preenchê-lo na era da comunicação virtual.

São tantas as distrações que fazem com que percamos tempo ao longo de um único dia: aquela espiadinha nas notificações das redes sociais, um e-mail novo chegando à caixa de entrada ou uma inesperada chamada de vídeo. E, assim, nunca conseguimos estar totalmente focados nas atividades que desenvolvemos, pois nossos aparelhos e aplicativos de mensagens estão sempre prontos para desviar a nossa atenção. É provável que você esteja achando todo esse papo extremamente elementar – e é mesmo –, mas pare por um instante e observe a sua própria rotina: quantas vezes as notificações das redes sociais ou aplicativos de mensagens tiraram o seu foco somente no dia de hoje? Nós estamos tão acostumados a esse tipo de intervenção que passamos a incorporá-la às nossas vidas como se fosse algo normal; tão normal que dificilmente paramos para quantificar a presença ou a ocorrência delas nas nossas rotinas. Isso sem falar no quanto essa dinâmica afeta também a qualidade daquilo que criamos ou produzimos.

Semanas depois, ao deixar a ilha e voltar para o “paraíso” das mensagens instantâneas, me senti exatamente como o prisioneiro descrito por Platão no seu Mito da Caverna [A República, livro VII] que – após ser solto das correntes que o prendiam no interior daquela caverna escura e levado a conhecer a luz do dia que ilumina o mundo exterior –, ao retornar para a caverna, se sente extremamente incomodado com a escuridão daquela prisão onde vivera até então. De Havana fui para Buenos Aires e, assim que cheguei ao aeroporto e me conectei, centenas de mensagens começaram a chegar; confesso que me senti tão incomodada que tive vontade de desligar o meu aparelho e fazer de conta que ainda estava naquela ilha desconectada.

Na minha primeira noite na capital Argentina, após ministrar uma palestra e lançar um livro, os organizadores do evento me convidaram para jantar e eu vivi um dos momentos mais estranhos da minha vida ao me deparar com uma cena que durante anos fora tão normal para mim, mas que naquele momento me pareceu extremamente absurda: durante o jantar, todos estavam com os celulares nas mãos, se comunicando com pessoas fisicamente distantes, enquanto nós – que compartilhávamos a mesma mesa, o mesmo oxigênio e a mesma pizza – estávamos completamente afastados, cada um mergulhado no seu próprio mundo virtual. Percebi então que, após ter experimentado aquelas semanas de desconexão em Havana, o meu ritmo de vida e a minha relação com a comunicação virtual jamais poderiam voltar a ser como haviam sido.

A partir de então, passei a restringir as minhas visitas às redes sociais, ter horários específicos para checar e-mails e, também, deixar sempre o celular no modo não perturbe enquanto estou fazendo qualquer outra atividade profissional ou pessoal. Adotar esses pequenos hábitos fez com que eu passasse a utilizar o meu tempo de forma muito mais proveitosa e conseguisse conciliar no espaço de um dia todas as atividades que preciso realizar sem que, para isso, deixe de ter tempo para compartilhar momentos bons com as pessoas que amo ou para viver aqueles pequenos prazeres que fazem a minha rotina mais leve e feliz.

Se houve um tempo em que era necessário esperar dias, semanas ou meses para receber notícias daqueles que amamos, os avanços da comunicação virtual encurtaram as distâncias e fizeram com que tivéssemos a chance de nos sentir mais próximos daqueles que estão fisicamente distantes. Mas não podemos cair no erro de permitir que estes mesmos recursos que tanto nos aproximam sejam também capazes de nos afastar ao limitarmos todas as nossas relações ao espaço dessa caverna da comunicação virtual. É preciso compreender que, por mais que sejam ferramentas importantes para o desenvolvimento e a manutenção das nossas relações, as trocas que vivemos através das telas jamais poderão substituir aquela visita gostosa de domingo ou aquele café no final da tarde com um amigo.

Após tantos anos vivendo como prisioneiros solitários cercados pelas telas dos nossos notebooks, tablets e smartphones, hoje é possível enxergar nitidamente os efeitos negativos de uma rotina limitada ao campo da comunicação virtual: nossos vínculos se enfraqueceram, temos centenas de amigos nas redes sociais, mas por vezes ninguém com quem dividir um momento real. Com isso, tenho observado cada vez mais amigos e colegas adotando momentos de desconexão dentro das suas próprias rotinas, aprendendo a trocar encontros virtuais por momentos reais com pessoas queridas. Dia desses, um baiano cantou que “o melhor lugar do mundo é aqui e agora” [Aqui e agora -canção de Gilberto Gil], mas, por estarmos sempre tão conectados, acabamos deixando de viver este que é o melhor de todos os lugares do mundo: o presente.

Da próxima vez que sair para aproveitar um momento de descanso ou fazer uma visita, sugiro que você experimente “esquecer” o seu smartphone em casa. Permita-se sair um pouco dessa caverna da comunicação virtual, pois do lado de fora há um lugar maravilhoso onde existem conversas imperdíveis esperando para serem conversadas, pessoas incríveis dispostas a compartilhar momentos inesquecíveis, além de arco-íris que surgem de repente, colorindo o dia de quem estiver de olhos bem abertos para enxergar toda a beleza que mora no azul do céu. Quando você enfim se permitir viver esses momentos de desconexão, verá que ao voltar para casa, todas as suas mensagens estarão à sua espera exatamente no mesmo lugar onde as deixou antes de sair; por outro lado, você chegará trazendo consigo a lembrança de momentos e situações que não teriam acontecido se estivesse em frente à uma tela. Existe uma vida muito bela além do que guarda o seu smartphone, uma vida tão grande que jamais caberia no espaço limitado de uma tela.

Bruna Ramos da Fonte é biógrafa, escritora, fotógrafa ensaísta, professora e palestrante. Especialista em Leitura e Produção Textual com Aperfeiçoamento em Psicanálise Clínica, é criadora da sua própria metodologia no campo da Escrita Terapêutica. É autora de diversos títulos, incluindo “Escrita Terapêutica: um caminho para a cura interior” (Letramento, 2021) e as biografias de Sidney Magal e Roberto Menescal. Visite: www.brfonte.com