CIDADE E PSICANÁLISE - Saúde mental não é caso de polícia: quando a polícia tem o poder de diagnosticar. Por Mariana Anconi.

Na semana passada saiu no jornal The New York Times que o prefeito de NY colocará em pratica um plano de retirada de pessoas em situação de rua com internação involuntária, ou seja, a força. O plano tem como objetivo acionar a polícia e alguns profissionais de saúde mental para atuar nessa frente. Um dos critérios para internar pessoas involuntariamente está relacionado ao alto risco de colocar a própria vida e a de outros em perigo.

Mas quem avaliaria esse critério? Seria a polícia?

Já existe um histórico de violência e morte por ações policiais na cidade e no país. Geralmente, abordagens assim levam a prisão ou se faz uso da violência. Também já é sabido que a cidade enfrenta um alto índice de violência – agravado com a pandemia – nos chamados “ataques aleatórios”.

Ataques aleatórios estão relacionados a situações de saúde mental, ou seja, são agressões feitas por pessoas em estado de delírio ou surto psicótico que se sentem ameaçadas por estranhos na rua e que as atacam para não serem atacadas.

O termo “ataque aleatório” cria a falsa ideia de que a causa do problema estaria relacionada apenas ao estado de saúde mental dessas pessoas, tornando este um problema “individual”, o que corrobora para uma visão individualista da questão, deixando de fora demais fatores que contribuem para o sofrimento psíquico da população, por exemplo, a falta de políticas públicas em relação a saúde em geral, o problema da falta de moradia, melhores condições de trabalho ou direitos trabalhistas etc.

Enquanto essas questões não são abordadas pelo Estado, outros planos para lidar com o problema surgem, como um estudo que propõe a substituição de policiais por profissionais treinados para receber ligações em uma central de chamadas. Esta proposta mostrou melhores resultados que a abordagem policial, bem como uma maior adesão ao tratamentos de saúde mental. Porém, a lógica da “institucionalização” de pacientes continua.

No Brasil, temos um modelo de dispositivo, o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que faz um contraponto à proposta de internação como intervenção padrão para surtos e agressividade. Ou seja, para a internação existe uma avaliação de cada caso com uma equipe multidisciplinar.

Bem, mas o que quero destacar aqui é que ações assim, de retirada à força para “limpar” a cidade da violência, na verdade, camuflam os reais problemas relativos ao abismo que é a assistência em saúde mental na cidade e, ainda, reforçam estigmas, fortalecendo a lógica do tratamento pela via da institucionalização, seja no hospital ou na cadeia.

Referências

https://www.nytimes.com/2022/11/29/nyregion/nyc-mentally-ill-involuntary-custody.html

https://www.startribune.com/minneapolis-to-start-sending-civil-response-teams-not-police-to-some-mental-health-calls/600078792/

Mariana Anconi é psicóloga e psicanalista. Mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Psicopatologia e Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Idealizadora do projeto itinerante ‘Diálogos na Cidade: Arquitetura, Cultura e Psicanálise’. Mora e trabalha em Nova York – EUA.