Tristeza… o entretenimento não pode compactuar com a exploração miserável dos trabalhadores!
Mais uma vez… agora em 2023
O Lollapalooza foi flagrado na semana que antecedeu a sua realização no fim de semana de 24 a 26 de março, no Autódromo de Interlagos, São Paulo, na exploração de trabalhadores a condições análogas à escravidão.
Em uma ação orquestrada pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, cinco profissionais que atuavam na preparação do evento foram resgatados na terça-feira, 21).
Os trabalhadores cumpriam tarefas exaustivas como carregadores de bebidas em jornadas de 12 horas diárias: “Depois de levar engradados e caixas p’ra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga”, afirmou J. R., um dos resgatados nessa ação.
Os funcionários estavam na informalidade, sem os devidos registros trabalhistas, como orienta a legislação.
Os cinco resgatados prestavam serviços para a empresa Yellow Stripe, uma terceirizada contratada pela Time 4 Fun, conhecida como T4F, proprietária do Lollapalooza no Brasil.
Em seu site de relações com investidores, a T4F, que é listada na Bolsa de Valores de São Paulo, diz “respeitar os Direitos Humanos” e afirma garantir “um ambiente de trabalho diverso, acolhedor.” Um caso que nos leva a identificar uma prática de greenwashing, no qual a empresa tem um discurso socialmente correto, mas sua prática é destoante com sua pregação.
Não podemos esquecer que a empresa em questão não é primária nesse tipo de situação… em 2018, 2019 e 2022, o Lollapalooza também violou a dignidade dos trabalhadores, contratando pessoas em situação de rua por R$ 50 para cumprir diárias de 12 horas para montar os palcos, sem entrega, inclusive de equipamentos de proteção individual e algum treinamento específico de segurança.
Com a notícia ganhando holofotes na mídia, a T4F tratou de redigir um comunicado, no qual o essencial foi esquecido… um pedido de desculpas.
Ela contratou… ela é responsável… assumir sua culpa é vital para que as tratativas posteriores sejam encaradas com alguma credibilidade.
Em comunicado oficial, a T4F escreveu:
“Diante desta constatação, a T4F encerrou imediatamente a relação jurídica estabelecida com a Yellow Stripe e se certificou de que todos os direitos dos 5 trabalhadores envolvidos fossem garantidos de acordo com as diretrizes dos auditores do Ministério do Trabalho. A T4F considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas”.
As empresas terceirizadas, como sabem que seus contratantes na maioria das vezes não acompanham o processo em si de seu trabalho, acabam por facilitar essas tenebrosas práticas.
Não tem como a empresa contratante simplesmente não ter uma auditoria própria para identificar a qualidade do serviço prestado. Essa ação deve fazer parte da gestão preventiva de crises, algo que, infelizmente, muitos eventos – de todos os portes – aleijam de suas estruturas.
E também, infelizmente, sobretudo nessas horas. percebemos o quanto um profissional de Relações Públicas deveria estar na equipe, para pensar não só em relacionamentos promocionais ou mercadológicos, mas para em uma visão 360 graus visando barrar toda e qualquer situação que estivessem incompatível com sua imagem.
Isso diz muito sobre a marca… se uma marca tem esse valor… ela segue essas características… e a cada edição persiste nessa condução de gestão de pessoal, isso só ratifica seus princípios.
Todo esse cenário, certamente irá atingir as ações da T4F… e as perdas já começaram. Uma pequena empresa de food service, chamada AnimaChef, que produz hamburgueres veganos, anunciou no primeiro dia do festival que não iria mais participar do evento diante do caso de trabalho análogo à escravidão. A hamburgueria forneceria lanches no backstage do evento, mas decidiu romper o contrato “por questões de princípios e coerência”. Toda a mise en place dos sanduíches para o festival já tinha sido preparada e, diante do ocorrido, a empresa fará promoção e os venderá a R$ 20 em sua unidade na Rua Augusta, na capital paulista.
Quando há verdade e sua essência corresponde às diretrizes propagadas não há como permanecer lado a lado com quem tem condutas divergentes negativamente às suas. Nesse caso, a atitude da AnimaChef foi exemplar e sobretudo, muito digna.
As máscaras até iludem… por um tempo… mas não por todo o tempo.
Eu mesma, inclusive, já cai nessa e escolhi o Lollapalooza como um dos estudos de caso da minha tese de doutorado… Ainda bem que a produção acadêmica, como tudo na vida, é dinâmica e as perspectivas mudam, são desvendadas… eles terão que responder por isso, se não agora, em algum dia.
Você saiu muito do tom, Lollapalooza.
E você, T4F, como regente precisa com muita humildade se reciclar!
Se tiverem realmente consciência, uma política de empresa/marca cidadã, parem e mudem, por favor!
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Andrea Nakane é bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas. Possui especialização em Marketing (ESPM-Rio), em Educação do Ensino Superior (Universidade Anhembi-Morumbi), em Administração e Organização de Eventos (Senac-SP), e Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF). É mestre Hospitalidade pela Universidade Anhembi-Morumbi e doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, com tese focada no ambiente dos eventos de entretenimento ao vivo, construção e gestão de marcas. Registro profissional 3260 / Conrerp2 – São Paulo e Paraná.