ANÁLISE CRÍTICA - Quem tem medo da inteligência artificial? Por Silmara Helena Pereira de Paula.

Uma propaganda da Volkswagen causou polêmica e debate nas redes sociais há alguns dias. Para anunciar a versão atualizada da Kombi, um dos clássicos da marca, a montadora contratou a cantora Maria Rita para fazer um dueto com sua mãe, Elis Regina, “ressuscitada” por meio do uso de tecnologias de inteligência artificial. Elis aparece dirigindo o modelo antigo da Kombi ao som de “Como nossos pais”, canção composta por Belchior em 1976, e interpretada por ela mesma ao final da mesma década.

O comercial provocou emoções na audiência e reações de diversos setores – profissionais e acadêmicos – sobre as implicações éticas do uso da IA para reviver pessoas em situações do presente. Situações essas que, não se sabe, se eles (os mortos) concordariam em participar. Houve quem ponderasse se Elis faria publicidade para Volkswagem, empresa de origem alemã que colaborou com Hitler, como indicam historiadores; ou se a família tem direito mesmo de autorizar o uso da imagem de seus falecidos a seu bel-prazer.

O fato é que o debate inconclusivo (claro!) está posto. Não apenas no que diz respeito a essa possibilidade de fazer renascer personalidades por meio do uso de suas imagens em situações reais ou suas vozes em chat bots como a Alexia – como anunciou a Amazon – mas também no que tange ao uso da IA na produção de textos, por meio do chat GPT, por exemplo, e seus impactos no mercado de trabalho, na educação, na produção acadêmica e científica, enfim, nos mais variados aspectos da vida humana.

Penso, como comentei no painel do leitor da Folha de São Paulo, que o avanço da IA é algo irreversível e ainda é muito cedo para avaliarmos com precisão suas consequências para a sociedade. Sem dúvida, elas existirão e aprofundar os estudos e as análises sobre esse tema é essencial.

E é nesse aspecto que quero fazer algumas reflexões. Afinal, como devemos lidar com a IA? Como superar o medo de nos tornarmos obsoletos? Como utilizá-la para aprimorar nossas práticas? Qual a saída para sobrevivermos a esse processo de avanço tecnológico?

É óbvio que não há respostas para todas essas perguntas. Repito: tudo é muito novo e, portanto, incerto. Mas se existe algo na natureza humana que seja capaz de nos ajudar nesse processo de transição é, sem dúvida, a faculdade da adaptação. Adaptar-se é o caminho. Mario Sergio Cortella não cansa de repetir em suas aulas que Darwin nunca teria afirmado que os mais fortes sobreviveriam, mas sim os mais aptos. Ou seja, aqueles com maior habilidade de adaptar-se às mudanças.

O mesmo ocorrerá com o uso da IA. Ela nos abrirá novas possibilidades, permitirá explorar outros universos e formas de resolver problemas e, também, claro, exigirá a criação de regras para que sua aplicação não ultrapasse os limites éticos. Continuará exigindo de nós, seres humanos, competência para lidar com outros tipos de demandas, mais antigas e complexas entre as quais a de garantir a todos uma vida feliz, abundante e justa.

Desde os primórdios até hoje em dia, o homem busca a inovação para evoluir. Foi assim com a descoberta do fogo, o desenvolvimento de ferramentas, de máquinas, do avião. Por que o avanço tecnológico nos assusta se ele faz parte de nossa humanidade?

Talvez, o que nos cause efetivamente medo não seja a IA; seja quem está por detrás dela e suas reais intenções. Talvez tenhamos medo do próprio ser humano que se brutaliza e não da máquina que pode nos substituir e já nos substitui em atividades operacionais e repetitivas.

Acredito que seja mais fácil adaptar-se às novas tecnologias do que descobrir as intenções humanas que movem o processo de inovação. E, nesse ponto, o debate humanizado do uso da tecnologia de IA é fundamental.

Vivemos mais uma das etapas de evolução humana por meio da criação e aplicação da IA. Não temos ideia do que será o futuro. Não temos controle absoluto sobre o que nos acontecerá. No entanto, se há algo que nossos ancestrais nos ensinaram e nos fez chegar até aqui foi a sobreviver. Mudando de lugar, mudando de rumo, mudando de perspectivas.

E, para isso, é necessário buscar novos horizontes, continuar aprendendo, alterar rota e direção, adaptar-se.

O mundo é feito de mudanças. Nos dias atuais, em uma velocidade quase que incontrolável. Quem sobreviverá? Certamente, aqueles que “preferem ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo” – para ressuscitar um clássico sem necessidade de IA.

Silmara Helena Pereira de Paula é jornalista formada pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atua na área desde 1994 e trabalha em comunicação pública desde 2003. É pós-graduada em Docência em Ensino Superior pelo SENAC-SP (2015) e em Filosofia e Autoconhecimento: uso pessoal e profissional pela PUC-RS (2021). Atualmente é assessora de imprensa concursada na Câmara Municipal de Arujá.