ANÁLISE CRÍTICA - A superação da desigualdade. Por Silmara Helena Pereira de Paula.

Eventos esportivos são terrenos férteis para produção de histórias de superação. O esporte, por si só, já exige capacidade de superação – do adversário, da dor, dos resultados, das dificuldades familiares e individuais. Não é raro, portanto, que essas narrativas se transformem em lições de vida e, claro, emocionem.

O que pessoalmente incomoda em histórias desse tipo é a sua apropriação pelo defensores da meritocracia. Sim, aqueles que tratam sacrifício como sinônimo de esforço, ignorando as desigualdades profundas que norteiam a trajetória de algumas pessoas. Pior ainda é quando o próprio personagem assume o discurso e ratifica a ideia (falsa) de que basta sonhar para alcançar seu objetivo de vida. “A meritocracia é um mito: não há como clamar que uma classe social alcança bons feitos por mérito, frente a outra que sequer consegue acessar as mesmas oportunidades” (Politize, out/19).

O que muitos não compreendem é que superar obstáculos considerados quase que intransponíveis para ir à escola, ter comida na mesa, praticar esporte ou concluir o ensino superior é sinal de quanto estamos distantes de construir uma sociedade justa. Afinal, o que há de bonito e belo em ver uma criança andar quilômetros para chegar à escola? Ou de presenciar um atleta treinando em um terreno baldio? A não ser a nossa incapacidade de investir em nossos talentos e oferecer condições e oportunidades para que as pessoas sejam realmente felizes.

O Brasil tem um dos piores índices de distribuição de renda no mundo. Estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta que a desigualdade aumentou no país em 2018 e que o rendimento do 1% mais rico é quase 34 vezes maior do que o rendimento da metade da população mais pobre (Politize, out/19). A nossa luta deve ser a busca incessante para superar essa condição.

Histórias de superação são válidas. Ver uma pessoa lutando pelo seu sonho traz esperança e nos faz acreditar o quanto seres humanos são capazes de vencer seus próprios limites. Mas não dá para utilizar esses relatos como forma de justificar a desigualdade que obriga milhares a escolher entre comer ou estudar; pagar aluguel ou o transporte; dormir no emprego ou voltar para casa; deixar os filhos sozinhos ou trabalhar. Isso tem nome. E não é superação. É injustiça mesmo.

Silmara Helena Pereira de Paula é jornalista formada pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atua na área desde 1994 e trabalha em comunicação pública desde 2003. É pós-graduada em Docência em Ensino Superior pelo SENAC-SP (2015) e em Filosofia e Autoconhecimento: uso pessoal e profissional pela PUC-RS (2021). Atualmente é assessora de imprensa concursada na Câmara Municipal de Arujá.