A embriaguez do sucesso nas redes e no BBB. Por Ilka Carrera.

Nos bons e velhos tempos das aulas de assessoria de imprensa, um filme era obrigatório na sessão pipoca: “A embriaguez do sucesso” (1957) – uma fantástica película com Burt Lancaster e Tony Curtis, contando a história de um jornalista que pensava ser Deus e de um assessor de imprensa inescrupuloso. Lembro-me sempre daquela frase de Oscar Wilde: “A vida imita a arte”. Quem já trabalhou com jornalismo conhece essa história, não é verdade? O debate em sala girava em torno de ética, o “quarto poder” e, claro, as estratégias para se lidar com a imprensa.

O filme narrava a história de J. J. Hunseeker, jornalista que tinha uma coluna diária em um jornal de grande circulação e um programa na TV líder em audiência. O sucesso subia à cabeça, como se diz vulgarmente por aí, e ele passava a exercer o poder que tinha para destruir reputações. Em uma cena marcante, ele olha para um desafeto que passa longe e diz: “deite-se, você está morto”. De fato, ele destrói a pessoa. Outro momento peculiar é quando ao prometer não publicar um escândalo, ele diz ao suplicante: “vai-te, e não peques mais”. Essa frase bíblica foi proferida por Jesus. J. J. não achava que era Deus – ele tinha certeza. Se você ainda não assistiu ao filme, assista. Chega de spoiler.

O chamado quarto poder subiu à cabeça de J. J. e o fez sucumbir aos excessos. O quarto poder é um conceito que abarca a influência exercida pela imprensa nos comportamentos das pessoas, nas decisões sociais relevantes e na opinião pública. O poder da mídia, principalmente da imprensa, é irrefutável. Aliás, outra grande película é “O quarto poder” (1997), com John Travolta e Dustin Hoffman. Esse sucesso do cinema mostra justamente o estrago que a imprensa pode causar e como, de fato, pode criar vilões e mocinhos. Não gosto de generalizações, muito menos quando se trata de uma categoria profissional. Como em tudo na vida, existem bons e maus jornalistas, assim como bons e maus relações-públicas. Enfim, há jornalistas sérios com reputações ilibadas, porém há também aqueles que embriagados pelo poder o exercem de forma equivocada em sua atividade.

Senhores, o sucesso nos embriaga de um néctar mais poderoso que qualquer bebida alcoólica e ambos costumam deixar a verdade escapar, não é? Já diziam os romanos: “In vino veritas”, ou seja, “a verdade está no vinho”. A verdade da embriaguez do sucesso é terrível. O bêbado pensa que está acima de tudo e todos. Reside aí o perigo da embriaguez para pessoas públicas de um modo geral, mas principalmente para as celebridades da internet.

O “quinto poder” é um conceito que surge com o advento da web 2.0, ou seja, emerge da influência das redes sociais digitais nos comportamentos dos indivíduos e de pautas relevantes para sociedade. Na letra de Wilson Dizard, os meios de comunicação de massa são apenas uma parte mínima de uma indústria que é cada vez mais dependente das ferramentas de distribuição da internet para entregar seus produtos.

O poder do cancelamento que alguns influenciadores digitais exercem é exatamente o mesmo de J. J. Hunseeker. O jornalista está para o quarto poder assim como o influenciador digital está para o quinto poder. Novamente, digo que não aprecio generalizações, mas tem muita gente embriagada com a quantidade de seguidores e, assim como o jornalista do filme, acham que podem tudo, pois são como deuses.

Antes do BBB 21, já era possível observar a disputa por curtidas e palco nas redes. Alguns comportamentos egocêntricos aliados ao incentivo à cultura do cancelamento e assassinato de reputações. Alguns influenciadores não interagem mais com as pessoas e agem como grandes juízes acima do bem e do mal, postam e apenas aguardam no alto de um pedestal as infinitas curtidas. Quando começou a atual edição do Big Brother Brasil, a embriaguez do sucesso se materializou na tela do reality através da arrogância de alguns participantes por conta do número de seguidores nas redes. Os fãs não curtiram o que viram e Próspero bem que advertiu Miranda na obra de Shakespeare, admiramos tudo aquilo que não conhecemos muito bem. O tribunal da internet não perdoa e o cancelamento dos influenciadores por conta de atitudes que desagradaram foi intenso. Cabe salientar que além da arrogância, pôde-se notar que a conduta não estava alinhada ao discurso, então em alguns casos, agravou a situação e os danos causados à reputação.

Na obra “Livro das mil e uma noites” há a seguinte máxima: “Quem pelo vinho é rapidamente embriagado não deve, quando acorda, envergonhar-se, mas quem estando no poder se embriaga, será certo que dele o poder se transfira”. O sucesso na tela da TV, no jornal ou nas redes sociais digitais trazem poder, mas quando a visibilidade é usada para atacar o outro ou excluir, torna-se um terreno áspero e movediço.

Ilka Carrera é relações-públicas, mercadóloga e professora. Mestre em Administração, especialista em marketing e gestão de crises. Consultora em gestão de crises, comunicação e marketing. Administra a página no Facebook e Instagram (@crisesecrises).