Leo Aversa: 'Zap silencioso é melhor que Rivotril'.

Deu n’O Globo em 18/04/2023:

O projeto está aberto na tela, o trabalho fluindo, e você vai dar o primeiro save do dia. Tudo certo, tudo no esquema. De repente… “Pim”! O som agudo de mensagem entrando no WhatsApp. E agora? O bom senso manda ignorar, o projeto é importante e não pode atrasar, mas… Melhor dar uma olhada, vai que… “Pim”! de novo. Caramba, deve ser urgente. Mais “Pim”! Aconteceu algo grave! Caso de vida ou morte, óbvio. Logo você descobre que, sim, é de vida ou morte. De matar, para ser preciso: um amigo querendo comentar uma confusão no “BBB” durante a madrugada anterior. Pior, o amigo é daqueles sádicos deletérios, que dividem a mensagem em vários posts só pra dar um monte de “Pim”! no seu celular e te perturbar em modo extra-plus-max. Não importa se são dez da manhã de um dia útil e se a essa hora quase toda a Humanidade já está ocupada correndo atrás. Pim, pim, pim.

Mesmo que você, diplomático e contido, responda apenas com um emoji de joinha – a maneira gentil e moderna de dizer dane-se -, o tal amigo vai continuar insistindo, afinal, quem manda um zap quer resposta imediata – bate-papo incluído -, e se fosse para esperar ele usava o e-mail. Tem mais: logo aparecerá outro dando bom dia e mais outro perguntando qual é a boa do fim de semana. Graças a eles e o zap do capeta, o seu projeto importante vai chegar atrasado. Se chegar.

O problema é que, de sem-noção em sem-noção, o pim-pim frenético pulveriza qualquer concentração. Nem falo do grupo de WhatsApp, o buraco negro dos neurônios, em que horas, dias e semanas perdem o sentido, embaralhados em questões não exatamente relevantes. O zap deixa o seu foco igual a uma bolinha de pinball. É inviável tanta dispersão. A falta de comunicação é um problema, mas o excesso é muito pior. Resolvi dar um fim à barafunda.

Para conseguir tal façanha, descobri um método sofisticadíssimo, que de tão complicado me exigiu extensos estudos e muita pesquisa: silenciar as notificações. Gênio, não? Mesmo desconfiado de que muita gente já adotou essa solução, estou me sentindo um Steve Jobs.

No começo dá medo, parece que você está perdendo algo muito importante, que as coisas estão acontecendo e só você não está sabendo. Tolice. Aos poucos se percebe que só os bombeiros, os policiais e os advogados dos governadores fluminenses precisam ficar ligados o tempo todo. O resto – nós – pode e deve levar uma vida normal, sem sobressaltos.

Não vou dizer que depois do silenciamento a minha vida ficou igual à dos Teletubbies. Infelizmente não, mas agora consigo trabalhar tranquilo, ler um livro com atenção, escrever com afinco, assistir a uma série sem perder o fio da meada. De tempos em tempos vou lá na tela e verifico se chegou algo importante. Descobri que raras são as mensagens que não podem esperar um par de horas pela resposta. E cá entre nós, leitor, quando é algo realmente urgente – uma preocupação para quem tem filho adolescente – , as pessoas ligam, não mandam mensagem. Talvez o meu próximo passo seja trocar o telefone celular por um fixo, de preferência daqueles pretos com disco. Ah, o paraíso.

Esta coluna foi escrita sem nenhum “pim!” atazanando. Um prodígio. Não notei nenhuma diferença, dirá o leitor mais cético. Talvez, mas tenho certeza de que a indústria farmacêutica vai sentir o baque.

Arte – imagem de chamada: @house

COMENTÁRIO

Vive-se hoje o seguinte dilema: quanto mais mídia, menos comunicação.