Erro, exagero, imprecisão. Por Carlos Brickmann, no Observatório da Imprensa.

Circo da Notícia, 30 de junho de 2015.

Joseph Pulitzer, um dos grandes jornalistas de todos os tempos, costumava dizer o que é jornalismo com três palavras: Precisão! Precisão!! Precisão!!! Quando assumiu o comando do Saint Louis Post-Dispatch, em 1878, definiu assim a linha política do jornal: “Não servirá a um partido, mas ao povo. Não apoiará o Governo, mas o criticará”. Pulitzer morreu em 1911. Sorte dele.

Na guerra partidária maluca e sanguinolenta que o Brasil vive, ninguém pode criticar as decisões do juiz Sérgio Moro sem ser imediatamente acusado de defender os corruptos do Governo. Não pode dizer que apesar da estiagem recorde a água continuou a fluir em São Paulo, embora com falhas, sem ser acusado de tucano branco e rico de olhos azuis. Para quem diz que não houve estiagem em São Paulo e que os problemas no abastecimento de água foram causados pela incompetência do Governo tucano, houve entretanto estiagem quando o assunto é eletricidade, coisa do Governo Federal. E, em qualquer caso, todo erro é justificado por algum outro erro cometido por um adversário: a Venezuela prende os opositores sem julgamento, mas em Guantánamo também há presos não julgados, e ficam elas por elas. Quando alguém diz que a Ucrânia foi invadida, a resposta é do mesmo tipo: e os atiradores brancos que mataram negros nos Estados Unidos?

É a frase famosa em ação: “Somos, mas quem não é?”

Nossa opção – a errada

A imprensa engoliu a isca inteira, mais anzol e carretilha:

1- Alexandrino Alencar, até recentemente diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, hoje preso, foi apontado como “ligado a Lula”. Não é mentira; mas, até por força de seu cargo, foi também ligado da mesma maneira a Fernando Henrique, a congressistas, a ministros, a gente de todos os partidos. É a mesma coisa que dizer que Sarney é ligado a Lula. É, como foi ligado a Fernando Henrique, ao general Figueiredo, ao regime militar. E, seja quem for o substituto de Dilma no Governo, Alexandrino, ou quem o substituir no cargo, será ligado a ele. Ou isso ou perde o emprego.

2 – Um cavalheiro de Curitiba que adora ser penetra pediu habeas corpus preventivo para impedir a prisão de Lula – que, a propósito, nem estava sendo investigado, segundo informou oficialmente o juiz Sérgio Moro. A primeira notícia foi de que Lula tinha pedido o habeas corpus. Até poderia ter pedido, já que não há ilegalidade nisso; mas o fato é que não pediu.

3 – O ex-ministro Antônio Palocci foi acusado de ter recebido pagamento por consultoria prestada a empresas privadas durante o período em que exercia mandato de deputado federal pelo PT. A notícia é verdadeira; mas não é notícia, já que não há qualquer proibição legal a isso. Quem considera que um parlamentar não deve prestar consultoria não tem que denunciar nada, tem apenas de propor a mudança da lei com a qual não concorda. Este colunista, por exemplo, acha que esse tipo de atividade deveria ser ilegal. Mas, enquanto não é ilegal, ninguém pode ser acusado por exercê-la.

4 – A mensagem do empreiteiro Marcelo Odebrecht a seu advogado, recomendando que determinado e-mail seja destruído, é legalmente confidencial. As conversas entre clientes e advogados não podem, de acordo com a lei, ser interceptadas. O bilhete foi não apenas interceptado como distribuído à imprensa, para ampla divulgação. Isso pode, Arnaldo? A lei não terá sido violada? Se admitirmos que a lei pode ser violada, por que essa e não outras – por exemplo, as que vedam a apropriação de dinheiro público?

5 – Imagine o caro colega que, por qualquer motivo, seja preso. Ao entregar um bilhete à Polícia, para que o encaminhe a seu advogado, não passará por sua cabeça a possibilidade de que alguém, ilegalmente, o leia? Escreveria no bilhete alguma proposta de ação ilegal – por exemplo, “destruir um e-mail”? Como ninguém, nem mesmo seus mais duros adversários, imagina que Marcelo Odebrecht seja burro, será que cometeria mesmo essa besteira? Ou estará certa sua versão de que “destruir” não significa sumir com o e-mail (que, aliás, já estava em poder da Justiça, após a busca e apreensão), mas “destruir” a interpretação de que se tratasse de um crime?

Enfim, esta é a cobertura dos fatos que a imprensa nos oferece. Voltando a Pulitzer, há dele uma bela frase a ser relembrada: “Nossa República e sua imprensa irão crescer e cair juntas. A definição do futuro da República estará nas mãos dos jornalistas das futuras gerações”.

O concorrente

O grande rival de Joseph Pulitzer na imprensa americana foi William Randolph Hearst, dono de jornais, revistas, emissoras de rádio, um estúdio de cinema (era amante da estrela Marion Davies, sensação de Hollywood). Hearst, na disputa com Pulitzer, optou pelo jornalismo sensacionalista. No final do século 19, estimulou os Estados Unidos a entrar em guerra com a Espanha para expulsá-la de Cuba. Mandou um grande ilustrador para Cuba com a missão de retratar a violência dos espanhóis contra os cubanos. O ilustrador lhe escreveu que não tinha o que retratar, já que essa violência não ocorria. Hearst respondeu: “Faça os desenhos que eu faço a guerra”.

Entre a precisão de Pulitzer e a imprecisão de Hearst, boa parte da imprensa brasileira fez sua escolha. E não foi só, como Hearst, por decisão editorial: é também, e talvez principalmente, por falta de competência.