"As pessoas querem pôr um número em tudo".

Deu n’O Globo (20/06/2014 – página 2) a seguinte entrevista (a Leonardo Lichote) com Michael Quinn Patton, especialista em avaliação, no Brasil para um seminário:

– Conte algo que não sei.

No mundo moderno, tudo está numa escala de 0 a 100. Esses números são simplesmente construídos. Não são significativos. Muito do que acontece na economia parece vir de equações precisas, mas elas não revelam muito, há um monte de opiniões sobre o que os números são. O Cristo Redentor, por exemplo. Quando vamos lá, um dos folhetos que você recebe tem cerca de 30 números: altura, largura, quantas toneladas de ferro, quantos degraus, quantos visitantes. Mas nenhum explica por que a primeira coisa que se faz quando se vem  ao Brasil é garantir uma visita à estátua ou o que ela representa para o Rio.

– Qual é o ponto de partida para se avaliar algo?

Definir os objetivos. Tudo vem daí. Pode ser uma decisão que envolve dinheiro, tempo, melhorar, interromper, criar algo. O objetivo tem que ficar claro antes de qualquer coisa. Depois, temos que saber para quem é feita a avaliação. Quem vai usá-la. Porque não é só uma abstração, tem que servir.

– Há muita resistência?

Um dos problemas de muitos avaliadores é fazer avaliação sem o envolvimento das pessoas. É como um fazendeiro que ara a terra para plantar as sementes. O solo fica pronto. As pessoas têm que estar prontas. Se você simplesmente lança o resultado sobre elas, as sementes não crescem.

– Você usa a avaliação em sua vida pessoal?

Minha mulher também é avaliadora. Viajamos muito, separados. Quando voltamos, dedicamos uma noite para ela me entrevistar e a seguinte para eu entrevistá-la. E gravamos as entrevistas como parte da história de nossa família. Significa que você está focando na outra pessoa, tentando entender, aberto para o que vier. Não é uma troca, como uma conversa. É mais profundo. Também fazemos isso com nossos filhos. Um deles dizia aos amigos quando eu puxava conversa: “Cuidado, papai entrou no modo entrevista”.

– A arte pode ser avaliada com critérios científicos?

Não é tão diferente de avaliar um currículo escolar ou um projeto de merenda. Pessoas têm perspectivas diferentes. Há diferentes critérios para definir o que é boa arte, boa comida, boa educação ou um bom edifício. As pessoas discordam sobre política, por isso temos políticos. Quando vejo uma obra de arte, penso: “O que o artista queria comunicar?”. Só então construo meu próprio ponto de vista.

– O que é qualidade?

Há uma forma de avaliação chamada de avaliação connaisseur: para avaliar qualidade temos que ter alguma expertise. Posso beber um vinho e decidir se gosto dele ou não. Mas um expert tem outros critérios. Então, julgar a qualidade tem diferentes significados. É uma das nossas questões clássicas profundas, remetendo a Sócrates, aos conceitos de Verdade, Beleza, Justiça, Qualidade. As pessoas querem pôr um número em tudo, mas há conceitos que não permitem. Você precisa de história, da descrição completa, de envolvimento. Devemos permitir que a qualidade seja uma questão de diálogo.

– Há coisas que não podem ser avaliadas?

Não diria isso, mas há coisas que não admitem uma resposta verdadeira. Há a noção de que ficção é mais verdadeira que não-ficção, porque captura aspectos emocionais e traz uma verdade que é maior do que a descrição da situação. Até a fé pode ser avaliada. Temos opiniões sobre religiões, sobre qual é a verdadeira. Até pessoas da mesma religião discordam sobre o que fazer. A Bíblia tem várias interpretações. Muçulmanos e cristãos interpretam os mesmos textos de forma diferente. Isso é avaliação.