Em 26 de janeiro último, este OCI publicou uma Nota Crítica intitulada ‘A narrativa da narrativa‘. Tratava de um certo uso indiscriminado de mais esta bela palavra, narrativa – ora na ribalta junto às queridinhas do momento: transparência, inovação e compliance.
Hoje, na edição impressa do jornal O Globo (P. 2), na coluna ‘Conte algo que não sei’, Danielle Nogueira publica a seguinte entrevista com Mads Jon Damgaard Andersen, cientista social dinamarquês, pesquisador da Universidade de Copenhage, que está no Brasil para apresentar projeto sobre a influência das narrativas de corrupção na mídia e na política. Da entrevista, a fala que se tornou título: “Em dez anos, talvez a ideia de jeitinho mude”. Vale a pena conferir:
A imagem é de Guito Moreto.
COMENTÁRIO
Será que os nórdicos descobrirão – de novo – o Brasil? Retirarão, finalmente, o véu cinzento da corrupção que cobre o país desde Cabral? E, de quebra, nos livrarão do famigerado ‘jeitinho brasileiro’?
O que, para este OCI, vale destacar no muito relevante interesse deste jovem pesquisador é, justamente, a colocação do conceito de narrativa em seu devido lugar – quando usado fora do contexto de ‘contação’ de estórias da literatura.
Fatos e dados (plagiando o título do blog da Petrobras)
No jornalismo diário, e na política, o termo ‘narrativa’ pode ser entendido como construção de uma versão a partir de fatos, dados, e até mesmo versões, feita DEPOIS.
O perigo do uso indiscriminado da tentadora palavra – hoje presente em 9 de 10 ementas curriculares de cursos de Jornalismo) – é justamente o esquecimento do tempo, da cronologia.
Fatos, versões e storydoing
Hoje, ao invés de dizer que um tal político está construindo uma trajetória, uma carreira, uma história (com ‘h’), muitos jornalistas estão simplesmente trocando as palavras trajetória, carreira e história, por… narrativa – num uso indiscriminado de uma consagrada técnica da propaganda, o chamado (colonialmente de) storytelling – artigo, aliás, vendido e comprado, hoje, às pencas – como elixir ou como antídoto – em cursinhos de ‘jornalismo-faça-você-mesmo’.
Em Tempo: sobre ‘jeitinho brasileiro’, é importante destacar que a acalentada ideia de que saber improvisar até nas mais críticas situações é uma qualidade boa – tanto que nossos executivos são procurados, achados e confirmados como bons administradores, mundo afora, por esta característica (macgyverism) -, outra face da moeda – de que ‘jeitinho’ é um mau atributo – tem trazido ao Brasil uma pecha. O temor é que, no final das contas, os contras superem os prós na imagem percebida, tanto do país como dos brasileiros.