Varal de orquídeas ou não querer também é poder. Por Silvia Pilz.

De repente, abro os olhos e acordo numa versão cultural. Com uma tremenda sede de beber de uma fonte desconhecida. É numa dessas que eu compro um livro que eu sei que eu não vou ler e vou parar no Jardim Botânico, na esperança de que um varal de orquídeas mude minha vida.

Minha alma é um manicômio. Opiniões desencontradas, atitudes disparatadas e crenças inversas. A nítida sensação de que nunca vou aprender a existir. Eu ando, tropeço, me dou rasteiras, me levanto, e ainda durmo, mesmo que no ponto.

Desatinada, numa dessas manhãs insanas, me matriculei num curso, na PUC, p’ra aprender a escrever roteiros. No primeiro dia de aula, a professora passou 80% do tempo explicando quem ela teria sido se não fosse o que é. No segundo dia de aula, eu não fui. Quando o discurso começa com “naquele tempo”, eu entro no que eu chamaria de pânico por identificação. É como se meu fracasso estivesse estampado na minha frente. E, por não gostar do que vejo, peço a conta.

No pátio da PUC, com vergonha de ter desistido de um curso que nem comecei, coisa que faço com maestria singular, circulei entre os pilotis e estudantes tendo a certeza de que eu não estava certa de nada. Era meu dever voltar p’ra sala e dar à professora a chance de me surpreender. Era meu dever tentar. Era meu direito partir.

Eu entro com a mesma incerteza que saio. Abro e fecho portas com pinta de quem sabe exatamente o que está fazendo. Fujo e finjo. Engano a torcida. Faço parecer que as renúncias não me custam caro. Já não fiz curso de pintura, de fotografia, de história da arte e até de astrologia. Um pouco de tudo e tudo de nada.

Silvia Pilz é jornalista e escritora. Autora do livro Sem Vergonha na Cara, já foi colunista da Playboy, do jornal O Globo, e tem textos publicados na revista Piauí.