Os meios (tradicionais) de comunicação manipulam a opinião pública? Por Manoel Marcondes Neto.

Reflexão sobre fatos e versões que circulam neste conturbado momento.

‘Eu prefiro viver empiricamente a morrer cientificamente’. Vladimir Zelenko, médico de Nova York que recomenda o uso da Hidroxicloroquina.

‘Não existe opinião pública, só opinião de quem publica’. Arthur da Távola (1936-2008), jornalista, escritor e senador pelo estado do Rio de Janeiro.

Nos anos 1960 (de 1965 em diante), 1970 e 1980, no Brasil, tempo em que fiz graduação e mestrado em Comunicação, na UERJ e UFRJ, respectivamente, era corrente no meio acadêmico a convicção de que os MCM (Meios de Comunicação de Massa) seriam nefastos por manipular corações e mentes. Pelo discurso edulcorado da propaganda e, principalmente, pelo grotesto (SODRÉ) da programação.

Continuaria tal manipulação ocorrendo?

Lembro-me que jornalistas já pareciam mais realistas que os reis… mas eram os patrões que tinham suas redações empasteladas pela polícia (qualquer polícia). São célebres os casos envolvendo Assis Chateaubriand, Samuel Wainer e Roberto Marinho, este último que – num diálogo contado e recontado com autoridades da época – teria respondido ao questionamento ‘se não havia muitos comunistas em sua Redação’, n’O Globo, que ‘os senhores cuidam dos seus comunistas, e eu cuido dos meus’.

Já nos anos 1990, tornou-se verdade – no mesmo meio acadêmico – que a massa não seria mais aquela. Na era da comunicação integrada (KUNSCH), dos canais de TV por assinatura e primórdios da internet (1995), uma profusão de veículos ditos ‘dirigidos’ (MACHADO) – impressos ou não – parecia nos dizer que mover grandes porções da população pela mídia [1] era coisa do passado.

Havia uma forte reflexão sobre o papel do jornal (DINES); equidistante, profissional, neutro (o que é uma tola impossibilidade), factual e, até, ‘de reflexão’ (quando possível, como nas edições de final de semana – a propósito, lembro-me de uma alentada entrevista de Umberto Eco ao caderno ‘Mais’, da Folha de S. Paulo, em 1993. Tempos melhores, quando as leituras mais longas de domingo brigavam com Ayrton Senna por nossa atenção.

Hoje, estranhamente, não há queixa quanto à tal nefasta manipulação – que parece consentida pela maioria esmagadora dos colegas comunicólogos. Há exceções – mas estas confirmam a regra.

Variado nada trivial

Os que demonizam a pós-verdade são os mesmos que praticam uma pré-verdade. Votou no PT, é ‘petralha’. Votou no Bolsonaro, é ‘fascista’.

Mas… como escreveu o poeta… a lição sabemos de cor… só nos resta aprender que… é no caminho do meio que está a virtude.

É lamentável:

– Ver a imprensa portando-se como partido – unida de modo inédito –, num ‘consórcio do pensamento’, com discurso unificado e fazendo cherry picking de fatos negativos;

– Jornalistas querendo ser mais importantes que a notícia;

– Comentarismo no lugar de reportagem;

– Veículos tradicionais de imprensa ‘dando jornal’ por dois meses ou oferecendo assinaturas a R$ 1,49/mês;

– Máquinas (Google News e Yahoo! News), MBL (News) e outros ‘movimentos’ – se fazendo passar por veículos jornalísticos;

– Governadores e prefeitos com postura e prática de ditadores, sob o silêncio da imprensa;

– Cortes legislando e decidindo ao arrepio da Constituição, sob o silêncio da imprensa;

– Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados tramando à luz do dia, sob o silêncio da imprensa;

– CPMI na qual não é possível identificar quem sabe menos do que trata o seu objeto – os que inquirem ou os que são inquiridos;

Legislação ‘de Liberdade, Responsabilidade e Transparência’ estabelecendo a censura prévia, a ‘verdade oficial’ e ‘agências’ checadoras de conteúdos;

– Órgãos de informação alternativos empastelados – como só acontece nas ditaduras;

– Jornalistas amordaçados e impedidos de exercer autonomamente o seu ofício;

– Povo em casa ou na rua – sem expressão nos rostos ou possibilidade de socialização;

– Empresários – sempre tidos como ‘maus elementos’ – fechando suas portas sob a torcida avessa ao capitalismo, mesmo que seja o do quitandeiro da esquina;

– Artistas e operários da cultura em beco sem saída, mas em permanente oposição;

– Educadores em licença remunerada estendida – sem trabalhar e sob os aplausos de seus alunos;

– Ciência ‘com lado’;

– OAB aparelhada;

– ABI partidarizada;

– Juízes falando pelos cotovelos, fora dos autos;

– Celebridades de ocasião se considerando ‘salvadores da pátria’;

– Ideologia misturada e feita religião – enquanto ter religião se torna pecado.

A esperança que me resta, pelo menos nesta nação-continente, é de que um grande insight – e não um great reset – modifique as mentes… a tempo de virar o jogo… ou…

Gamification: coloque os termos Bastilha e Supremo numa mesma frase.

[1] Sempre tive engulhos com este termo. Talvez porque nos bancos escolares meus professores tratavam a coisa usando a palavra correta, em inglês: media. Mídia – pense bem – é fumaça, quer dizer nada, sobretudo a quem não é da indústria da comunicação.

Referências

DINES, Alberto. O papel do jornal. São Paulo, Summus. 1996.

MACHADO, P. S. M. ‘Ora, toda comunicação é dirigida’. Anotação feita em palestra proferida na UERJ, no curso ‘Marketing Cultural: teoria e prática’. 1996.

SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco. Petrópolis, Vozes. 1971.

Os comentários estão desativados.