A explosão do crescimento dos e-commerces nos últimos anos levou consigo uma nova tendência: D2C. E para quem não conhece a sigla, do inglês, D2C quer dizer direct to consumer ou, direto ao consumidor. Polêmico em certa medida, é um modelo de venda direta – sem a intermediação do varejo – onde produtor ou indústria comercializam seus produtos por meio de canais de venda próprios, diretamente ao consumidor. Mas por que falar de cultura dentro do contexto D2C é importante? Porque a forma como os negócios foram configurados dentro da cadeia de distribuição atual não funciona na maioria das vezes quando uma marca decide vender direto ao consumidor.
Se o varejo tem uma vantagem competitiva frente à indústria, um dos componentes, com certeza, está no fator compreensão do público. Embora a indústria não meça esforços para compreender o consumidor e entender suas demandas – no seu processo de criação de valor – é inegável que o varejo detém o conhecimento crucial do momento da compra – ou como diz o Google, o momento da verdade zero, ZMOTH -, é o varejo – físico e digital – que compreende quais são os fatores transacionais e, por que não, comportamentais e qualitativos que levam o consumidor a compra. É o varejo que entende da dinâmica competitiva diária por preço e disponibilidade.
Não é raro, no entanto, ouvir de decisores de negócios e profissionais de trade marketing que o D2C é uma ameaça aos seus negócios. Isso porque querem, a todo custo, evitar um conflito direto com suas bases de clientes B2B, lojistas, por exemplo. Um dos segmentos que se destacam neste sentido é o de decoração de luxo. Um segmento elitizado que dependeu – e depende – de uma cadeia de distribuição construída com base em um processo de venda consultivo, ligado ao físico e, muitas vezes, do próprio arquiteto, que tem palavra importante na decisão de compra. Todavia, embora de fato existam barreiras em alguns segmentos, a prática tem demonstrado que os ganhos de se estabelecer um canal D2C são maiores do que as perdas, mesmo em segmentos nichos como estes.
Mas… e a cultura?
Até agora discutimos um pouco sobre conflito de canais e escolhas de negócio. Mas a verdade é que uma operação D2C tem mais componentes-chave que podem acelerar ou desacelerar o seu sucesso nas empresas. Um deles é a falta de talentos digitais das organizações. As indústrias, sabidamente, são ambientes mais tradicionais, envoltos de políticas e processos muito bem detalhados e inseridas em grandes negociações e políticas comerciais que garantem suas lideranças. E os skills necessários para manter essa dinâmica são muito diferentes dos necessários para estabelecer um canal que demandará velocidade, empatia com o consumidor, adaptabilidade e resiliência. Afinal, essas dinâmicas estão reservadas na cadeia ao varejo, a publicidade de massa, aos ciclos de CRM. Temos aqui, então, o primeiro desafio cultural: a transformação do mindset dos talentos necessários e seus perfis.
Uma visão comercial curto-prazista também é outro fator que pode afetar o sucesso de uma operação D2C. Se não existe uma visão de construção de relacionamentos duradouros com os clientes – afinal, agora o canal é direto – temos um grande risco de não conseguir mostrar o valor de um canal D2C para a organização. Isso porque a indústria está acostumada a grandes negociações, a garantir seus volumes por meio de negociações estratégicas e de volume. E uma operação D2C não é sobre isso; é sobre construir conexão a longo prazo e essa conexão demanda uma experiência de consumo impecável. A orientação da empresa e o compromisso dos líderes da alta gestão são cruciais nessas iniciativas.
A tensão entre canais – que abordamos acima – é outro ponto crucial a ser abordado. Com toda certeza, é uma das equações mais complexas dentro do contexto D2C. Afinal, não se trata somente de um alinhamento estratégico, mas de preço, comunicação, calendário, estoque etc. O fato é que a crença de que um canal D2C irá canibalizar fortemente um canal de varejo é – na maioria dos casos – infundada. Embora existam, de fato, conflitos que podem ocorrer, os canais têm consumidores com necessidades diferentes, hábitos apartados e, muitas vezes, hábitos de consumo multicanal. O fato de estar presente em diversos canais de venda – na verdade – contribuirá para que o consumidor alimente a percepção omnichannel da sua marca.
Olhando para o futuro
Idealmente, uma operação D2C deve nascer de um direcionamento estratégico de longo prazo, pois ela afetará a organização a nível estratégico, tático e operacional. Envolve gerenciamento de talentos, aporte cultural estratégico, políticas comerciais e compreensão de longo prazo do relacionamento com o consumidor final. Por isso, a cultura é essencial ser abordada dentro de uma escolha estratégica como esta, muito antes dos números. Se é rentável? O mercado mostra que sim. Todavia, essa rentabilidade não depende somente de estruturas financeiras, comerciais e logísticas, também depende de capacidades gerenciais essenciais. Então, mãos à obra e mostre ao seu consumidor que conectar-se com você e sua experiência de compra vale a pena.
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Gustavo Franco é Country Manager da Labelium Brasil.