Instituições privadas e o lobby no Brasil, o que há de errado com as coalizões? Por Loraine Mendes.

No Brasil, quando um Projeto de Lei demora anos para ser estruturado e votado, já se sabe que ‘tem coisa por aí’, a democracia precisa acontecer lentamente para ser estudada, debatida e aprimorada para agradar o máximo de interessados possível, ou seja, a sociedade. Em meio ao novo governo, após o rompimento das barragens de Brumadinho (MG), o debate sobre combate a corrupção continua acalorado e com toda a razão, algo tem que mudar; tudo tem que mudar; a democracia acontece em um constante processo de aprimoramento. Em meio a burocracia legislativa, a corrupção afeta a sociedade de tal forma, que o problema é intrínseco na vida dos brasileiros; sendo assim, possível notar que o sistema no atual estado é falho por falta de transparência do Poder Público e Privado.

Em 27/08/2018 a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro derrubou o veto do governador e aprovou o Projeto de Lei 3.184/17 (1) que unifica as agências reguladoras do estado por meio de fusão entre as agências reguladoras de energia, transportes e saneamento. Tal medida é vista com bons olhos devido à má administração das agências reguladoras ao longo das décadas. A fim de fortalecer o processo democrático e fiscalizar o Poder Público, as primeiras agências reguladoras foram estruturadas no Brasil no final da década de 1990, junto ao cenário de globalização mundial. Em países da América do Norte e Europa, as agências reguladoras surgiam no final do século XIX com o liberalismo que pretendia descentralizar a soberania do Estado perante o desenvolvimento nacional.

Em teoria, as agências reguladoras realizam a fiscalização, como um mediador do interesse público, sem tornar-se um subordinado direto do Poder Executivo para prevenir o detrimento de suas ações. A Agência Nacional de Mineração (ANM) que atua como agência reguladora do setor de mineração, atividade explorada desde o Brasil Colonial, atualmente responsável por quase 5% do PIB e geração de até 2 milhões (2) de empregos, foi criada somente após o desastre em Mariana em 2017. A reportagem (3) de André Trigueiro (G1) aborda as relações de poder entre a ANM e alguns políticos brasileiros junto ao lobby da mineração. Relações de poder que são parte da espinha dorsal da corrupção no Brasil perante um sistema político quebrado, sobre a alegação de que a democracia precisa ser debatida e estudada lentamente.

De fato, precisa ser estudada e debatida, mas não da forma como tem sido feito. A discussão acerca da regulamentação do lobby no Brasil se estende por três décadas. O Projeto de Lei 1202/2007 previsto para ser votado em março de 2019, continua a mercê do Plenário. Incompleto, o texto tem como base diretrizes para a regulação, mas ainda não chega perto de representar algo significativo para a transparência e integridade das atividades regidas por parte do Poder Público. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou textos (4) para discussão em 2015 sobre a regulamentação do lobby no Brasil. Com base em estudos acerca da legislação debatida no Brasil e implementada nos Estados Unidos e Europa, os textos representam um complexo estudo sobre o estado da arte do lobby no Brasil.

O estudo também explica os aspectos positivos e negativos, no qual o item 8 diz que a regulamentação do lobby não compensa ao Estado, por conter ‘…altos custos com fiscalização e pouco resultado em termos políticos’, porque seria necessário a criação um órgão de controle institucional, como Tribunal de Contas da União ou Ministério Público. Ou seja, custa dinheiro, porque manter órgãos que aprovam reajustes salariais exorbitantes a seus membros em meio recessão econômica é sempre algo que deve ser considerado. Por falta de guias norteadores, a relação entre lobby e corrupção é tão nítida que o texto do IPEA justifica: ‘Ou seja, em vez de visar o combate à corrupção, boa parte dos autores defendem que o papel da regulação do lobby é sensibilizar a sociedade para os interesses por trás das decisões, trazendo a política para o escrutínio público (Gray e Lowery, 1998) e aumentando o conhecimento de como funcionam os sistemas políticos e de quais são os atores e interesses que nele atuam’. Como se o combate à corrupção no Brasil fosse resultado apenas da sociedade brasileira e não do mundo globalizado.

O estudo compara a complexidade do alcance das regulamentações adotadas nos Estados Unidos, Polônia e Brasil, que se diferem por atuarem de forma direta nas leis, ou indiretamente, como o Código de Ética faria se aplicado a regulamentação do lobby no Brasil. O estudo também mostra que desde 1987 todos os projetos de leis e decretos relativos a regulamentação do lobby, que totaliza 15 documentos, que acabam arquivados no Poder Legislativo. Isso acontece devido a sua relação com os códigos de ética destinado a parlamentares. A pesquisa belga de Marc Hooghe e Ellen Quintelier – de 2014 (5) – sobre a participação política em países da Europa Central e Leste Europeu que se tornaram democráticos há pouco tempo, como o Brasil, aponta que a entrega de bons resultados por um governo democrático tem um ciclo próprio, e não garante maior engajamento político por parte da sociedade que segue os mesmos costumes da geração anterior, sendo necessário “esperar algumas décadas“ para que a força política cumpra a transparência e governança adequada para a prosperidade da nação.

Em meio a um país caindo aos pedaços, que precisa afetar de maneira negativa 5% do PIB anual durante 3 anos para reestruturar a exploração das atividades de mineração, é hora de mudar a mentalidade sobre os processos econômicos e democráticos e compreender o preço da democracia que visa o bem-estar social, porque a atividade de lobby acontece independente de sua regulação. Nenhum político é santo, o sistema é corrupto e sujeito a falhas humanas, então qual o legado das instituições privadas no Brasil? Há muito mais na pressão social do que apenas números para um artigo, falta coalizão de interesses entre as recém sociedades de Estado democrático de direito.

Loraine F. Mendes é jornalista, pós-graduanda em Administração de Empresas, apaixonada por audiovisual, tecnologia e pesquisa.

Referências:

(1): Projeto de Lei 3.184/17 – http://www3.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=7&url=L3NjcHJvMTUxOS5uc2YvZTAwYTdjM2M4NjUyYjY5YTgzMjU2Y2NhMDA2NDZlZTUvNTc0ZTY0OTQzNDM3ODk3YjAzMjU4MzYxMDA2YjJlODk/T3BlbkRvY3VtZW50

(2): Senado Notícias: Mineração pode gerar até dois milhões de empregos em 2018, prevê relator de MP – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/30/mineracao-pode-gerar-ate-dois-milhoes-de-empregos-em-2018-preve-relator-de-mp

(3): Reportagem sobre o Lobby da Mineração – https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/01/30/lobby-da-mineracao-se-infiltra-nos-poderes-executivo-e-legislativo.ghtml

(4): Percepções sobre a regulamentação do lobby no Brasil: Convergências e divergências – http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2141.pdf
Propostas de regulamentação do lobby no Brasil: uma análise comparada – http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2094.pdf

(5): Marc Hooghe e Ellen Quintelier (2014) – https://link.springer.com/article/10.1057/cep.2013.3