Imprensa perna-de-pau. Por Adalberto Piotto.

Parte muito significativa da imprensa de futebol no Brasil tem andado irritadinha com algumas coisas.

Algumas das recentes irritações mostram sua ineficiência na cobertura e um espelho incômodo.

Vamos lá:

Quem é esse tal Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, que está reclamando do calendário do futebol que pune os vencedores?

Pensam eles, no seu modo Lego de ver a vida, que ele só está reclamando agora porque está ganhando. Ignoram, por conveniência, que Abel chegou há pouco mais de três meses ao país e ao Palmeiras e já ganhou títulos importantes. Nem teria dado tempo de reclamar perdendo, porque tem chegado às fases finais e disputado tudo.

Tem até a xenofobia ridícula de reclamar que Abel, sendo português, não tem que reclamar. Só preconceituosos, tolos colonizados e intelectualmente deficitários pensam assim. Abel trabalha aqui e o time dele é daqui. Vai reclamar do calendário do futebol da Austrália?

Ainda tem o revolucionário de araque que diz que Abel deveria reclamar para o presidente do Palmeiras, que é quem vota nos presidentes de federações e assina regulamentos. Quer dizer que um técnico que mal chegou ao país e tem autoridade e relevância técnica, porque já ganhou títulos importantes para o maior campeão nacional, falar pública e insistentemente sobre o assunto, incluindo até comentários à CBF, não é falar para todo mundo? Valha-me, né? Ah… Galliote ouve bem.

E tem os vitimistas que estão culpando Portugal e nossa herança cartorial, as capitanias hereditárias etc. como razão para o futebol brasileiro ser administrativamente como é, isso quase 521 anos depois do descobrimento. Desses jornalistas, pouco se tem o que falar porque são apenas brasileiros mimados que não querem assumir as próprias responsabilidades sobre o país e sua própria história. A história que escrevemos em nossa época.

Seriam razões para um roteiro de comédia, não fossem relatos para um documentário sobre e trágica atuação recente da imprensa esportiva no caso em questão.

Essa parte significativa dos jornalistas dos infinitos veículos e programas esportivos foi incapaz de entrevistar fisiologistas e psicólogos para tentar entender o rendimento oscilante do Palmeiras na sua maratona física e psicologicamente extenuante. Preferiram manter as insuportáveis resenhas com um monte de comentaristas falastrões, alguns ex-jogadores, com cada um dando sua opinião com a profundidade de um pires, sem fazer o dever de casa de estudar o tema, apontar razões, detalhar e comparar comportamentos, enfim, por luz na escuridão do achismo.

Embora eu tenha citado a miríade da origem dos tais comentaristas, a culpa da falta de conteúdo na conversa, que permita avançar no debate, é só dos jornalistas. Dos ex-jogadores, embora haja algumas boas exceções que fazem análises muito bem feitas, não se pode esperar um trabalho jornalístico decente. A razão deles estarem lá é outra. É o lado de “quem esteve dentro das quatro linhas”, com sentimentos de reação natural de um jogador diante de situações semelhantes. Não raro, são introduzidos assim: “p’ra você que já esteve lá…”.

Mas vale a ressalva: o futebol, há muito tempo, é muito mais que um campo de futebol.

E explicar o mundo e suas transformações ao grande público é obrigação da imprensa, do jornalista.

Adalberto Piotto é jornalista e documentarista. Especializado em economia, é ancora de notícias em rádio e TV, articulista de realidade brasileira e produtor e diretor do filme ‘Orgulho de Ser Brasileiro’ e da série de webTV ‘Pensando o Brasil’.