Comunicação no terceiro setor e a urgência de radicalizar o discurso político em defesa da democracia. Por Júlia Tavares

O Brasil não vive uma normalidade democrática. Começo assim meu primeiro artigo para o Observatório da Comunicação Institucional porque, apesar de óbvia para muitos, a constatação acima parece simplesmente ignorada pelas instituições públicas, pelo Sistema de Justiça, pelo “mercado” e pela grande imprensa no Brasil.

Enquanto, na prática, um Brasil sob ruínas convive com a ampliação da desigualdade social, com o acirramento da violência no campo, na periferia das cidades e na floresta, com o racismo, com a pobreza extrema e a fome, a ampla maioria dos representantes eleitos pelo voto em todas as instâncias de poder se dedica a implementar projetos que privatizam nossas riquezas naturais e ampliam escandolasamente os lucros de grupos empresariais, dificultam o acesso a direitos, enfraquecem espaços de participação cidadã e mantêm, com unhas e dentes, os privilégios dos que sempre foram privilegiados nesses mais de 500 anos de nação inacabada.

Nesse cenário distópico e complexo, chamo a atenção para a resistência que vem sendo realizada há décadas pelo campo progressista das organizações da sociedade civil – atualmente chamadas pela sigla “OSCs”, ao invés da mais conhecida expressão “ONGs”.

Essas organizações surgem da efervescência pós-redemocratização no país, esperançosas com o futuro e conscientes da necessidade de monitorar, propor e cobrar políticas públicas de saúde, moradia e educação para todos, atentas à urgência de mecanismos que regulem essas mesmas políticas e garantam, de fato, que os princípios expressos na Constituição Federal sejam concretizados –  especialmente a dignidade da pessoa humana.

Aliadas de coalizões e movimentos sociais, essas instituições têm realizado um trabalho essencial de denúncia, produção de conhecimento e enfrentamento ao desmonte de políticas públicas.

Mas nem sempre esse relevante trabalho ganha o alcance e o impacto que merece. É aqui que chamo atenção: as organizações da sociedade civil dificilmente atingirão seus propósitos institucionais sem uma comunicação que mobilize e sensibilize, que garanta sua sustentabilidade, que dialogue com amplos setores da sociedade, que apoie a incidência política e que, ao mesmo tempo, marque a resistência ao crescente desmonte de direitos e da democracia.

Jurema Werneck, intelectual negra com vasta experiência no campo do ativismo e do terceiro setor – uma das fundadoras de Criola e hoje diretora executiva da Anistia Brasil – tem defendido a urgência da radicalização da comunicação feita por organizações da sociedade civil verdadeiramente progressistas. Uma comunicação que não tema o “megafone”, que levante pautas, bandeiras, que diga o que precisa ser dito. Uma comunicação capaz de promover rompimentos com o estado das coisas e criar novos engajamentos sobre as mudanças que o país tanto precisa. “Esse é o momento da virada. É agir ou não. Escolha sua radicalidade”, disse Jurema em recente encontro promovido por Criola.

A provocação da ativista precisa inspirar tanto quem faz a comunicação diária das organizações como suas diretorias. Não há respostas ou receitas prontas – cada organização saberá quais ações fazem mais sentido nessa caminhada. Acredito que o desafio passa por objetivos e estratégias traçadas e pactuadas conjuntamente nas instituições capazes de denunciar e, ao mesmo tempo propor, sensibilizar e convocar para a ação.

Em iniciativas próprias e também em rede, a comunicação é a ferramenta central para que o futuro volte a ser possível para a maioria das brasileiras e dos brasileiros.

Imagem (fonte) – https://fotospublicas.com/wp-content/uploads/2016/11/RR_13-marcha-consciencia-negra-em-Sao-Paulo_00511202016.jpg

Júlia Tavares é especialista em Comunicação pela Universidad Complutense de Madrid e jornalista graduada pela Universidade de São Paulo. Possui mais de dez anos de experiência voltada ao desenvolvimento e implementação de estratégias de comunicação em organizações sem fins lucrativos internacionais e brasileiras.