Sobre 'Barbie', o filme. Por Debora Frizzo.

Achei o filme ‘Barbie’ muito bom no quesito questões e reflexões trazidas, a maioria delas escondida na estética cor de rosa, saliente para olhos rasos.

Não achei um filme feminista, nem capitalista, nem socialista, nem nada. Os coletivos não resgatam meu olhar, mas a história dos indivíduos, sim, e ‘Barbie’ é um filme winnicottiano sobre o processo de individuação e construção de identidades pessoais, de homens e mulheres. Ele retrata o processo de abandono de uma vida pastoril, passiva, contemplativa e infantil (às vezes escondida em um corpo adulto e estimulada pelos próprios pais) para a construção de uma vida autônoma, na qual não se depende de ninguém, não se pede nada para ninguém, nem se obtém coisas através do controle e da dominação dos outros.

Barbie ensina ao Ken que ela não quer ficar com ele porque ele é um bebê vazio, porque ele não é nada. E as mulheres não gostam ou não deveriam gostar de bebês para namorar. Mas também não deveriam gostar do outro extremo, homens a quem servem e obedecem como amebas acéfalas. Barbie quer um Ken adulto. Pois ela também vai se tornando adulta, ou seja, descobre que a vida é cheia de problemas inevitáveis e agir para lidar com eles é o que constitui a vida adulta plena.

Só se ela fosse ‘desregulada’ se submeteria aos mandos e desmandos de alguém. A magia que Barbie descobre é que crescer pode ser desconfortável mas isso é o que precisa ser feito. Crescer e viver de modo autônomo e independente. Mas isso é artigo raro nos dias de hoje. Isso exige uma atitude racional diante da vida e das relações.

Todos podemos ser o que quisermos, podemos executar planos e prosperar. Mas para isso precisamos sair da infância, abandonar as fantasias e não chorar porque a torrada está queimada, o leite está vencido e a água está fria. Então, paz para a Barbie e para o Ken. Tomara que cresçam e sejam pessoas que não dependam um do outro.

E o mais importante: quem pagou teu cinema? Quem escolheu a tua roupa para ir ver a Barbie? Quem está definindo o que estás fazendo bem agorinha mesmo? Amanhã de manhã, quem manda no seu dia? Não te iluda, baby: não é o rosa da tua blusa, o dourado do teu brinco ou o ácido nos teus lábios que te faz uma adulta. É o quanto de medo, vergonha e hesitação decides abandonar todos os dias. Quem te faz objeto ou ameba hesitante é tu mesma.

Debora Frizzo é psicóloga, doutora em Psicologia, professora e pró-reitora no Uniftec.