A agenda ESG, levada a sério, é um tear. Cada movimento precisa ser dado numa cadência coerente de decisões que determina a qualidade do tecido final, no caso, o impacto social e/ou ambiental positivo do projeto, inclusive para a empresa. Do contrário, é greenwashing, ou, no máximo, uma iniciativa que não se sustenta no negócio e na sociedade.
Na agenda ESG não dá para ter ponta solta. É o que senti na recente visita que fiz à fábrica da Toyota em Sorocaba (SP), a convite da FIA School of Business com o grupo do curso “Stakeholders e ESG”, do qual faço parte. Ali conheci o enorme parque fabril onde mais de 3 mil trabalhadores se movimentam em diferentes turnos e setores da linha de montagem, em uma sintonia como a de uma orquestra. Também conheci projetos e as tecnologias pelas quais a empresa combate seu inimigo número 1, globalmente: o Carbono.
A Toyota já possui em seu portfolio quatro tecnologias diferentes para a descarbonização: o veículo híbrido flex, o híbrido plug in, o 100% elétrico e o movido à célula de Hidrogênio. Ainda na analogia do tear (e mais à frente você verá por que insisto nela), são como fios prontos para o trançado do Carbono zero, tecido que a empresa espera entregar ao mundo até 2050. Mas como pensar cada um deles? O que rege a tomada de decisão sobre trançar um ou outro na perspectiva ESG?
A resposta depende do mercado. No Brasil, como o time de comunicação da Toyota explicou, a tecnologia híbrido flex, ou seja, o carro eletrificado que também é movido à combustão de etanol ou gasolina, e que não precisa da tomada, deve continuar a ser destaque. Mas por que, se a empresa já tem o modelo 100% elétrico, que não emite mais o monóxido de carbono e outros gases de efeito estufa?
A decisão tem a ver com muita coisa para além de custo e serve para ilustrar a complexidade da agenda ESG e sua materialidade. Uma delas, por exemplo, são os trabalhadores e trabalhadoras que vi no chão da fábrica de Sorocaba, uma fração dos três mil que mencionei antes. Pouca gente sabe, e eu não sabia, mas um carro totalmente elétrico carrega uma quantidade significamente menor de peças e acessórios em comparação com os modelos híbridos. É outra dinâmica de produção. Privilegiá-lo neste momento poderia impactar o trabalho de muita gente, inclusive na cadeia de valor. Seria como acelerar a descarbonização a qualquer custo, em detrimento da empregabilidade. Num país como o nosso, com inúmeros desafios sociais e que tem a força do etanol vindo de fonte renovável, quais são as prioridades hoje?
Outro ponto que não pode ser negligenciado na decisão: infraestrutura. Em todo o Brasil, temos apenas cerca de 3 mil eletropostos públicos de recarga, contra os mais de 42 mil postos de combustível. Em um país de longas distâncias e com essa malha de abastecimento, faz sentido dar ao consumidor a liberdade e segurança de rodar com mais de um combustível à mão. Este é um contexto social importante.
O carro totalmente elétrico é também mais pesado por conta da bateria que ocupa quase todo o assoalho do banco traseiro, o que dá mais estabilidade ao veículo, mas, em escala, exigiria das cidades vias de rolagem mais resistentes. A bateria, aliás, é sozinha outro fator de atenção. Aprendi que a Toyota realiza pesquisa e parcerias com startups e universidades para buscar meios de produzi-la com menos metal nobre e recursos naturais.
Como se vê, a agenda ESG é mesmo um tear delicado que precisa de tempo e estratégia no manuseio. Claro que nem todo o tecido precisa ser sofisticado, mas nenhuma decisão pode ser indiferente aos contextos social e de mercado, e nenhum fio pode se perder na jornada.
Na visita com o pessoal da FIA, no espaço que conta a história da Toyota, aprendi que os conceitos Just-in-Time e Jidoka do famoso Sistema Toyota de Produção (STP) datam do período pré-guerra, quando um dia Sakichi Toyoda, fundador do grupo, com 20 e poucos anos observou que sua mãe, tecelã, só podia perceber que fios haviam sido rompidos no tear já com o produto pronto, tarde demais para corrigir. Desse olhar atento e tão afetuoso nasceu a ideia de incorporar um dispositivo de parada, que automaticamente travava o tear, caso um fio se partisse. Esta é exatamente a mesma ideia que segue viva no ecossistema fabril da Toyota, mais de um século depois, para que falhas não se perpetuem ao longo do processo produtivo e sejam corrigidas o quanto antes! Fantástico, não?
Na agenda ESG, arrisco dizer, que este sistema de alerta é o envolvimento de diversas áreas da empresa na construção de projetos de impacto, e na identificação de riscos, de oportunidades e na mensuração de desempenho. E a comunicação participa de todo o processo, inclusive na construção da matriz de materialidade e na gestão da cadeia de valor, e não somente no operacional, na hora de redigir relatórios ou divulgar ações, por exemplo.
Em resumo, todos são parte do tecido. Não à toa, a Toyota é atualmente a maior montadora do mundo. Foi um privilégio visita-los e ver de perto esse grande tear!
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Imagem: Parque fabril da Toyota Brasil, em Sorocaba (SP).
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Vanessa Costa é jornalista especializada em relações públicas, comunicação empresarial e gestão de projetos. Cofundadora da agência Elabore Estratégia Comunicação e aluna do curso Stakeholders e ESG, da FIA Business School.