UX: entre o Marketing e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Por Mariana de Moraes Palmeira.

Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Mateus 6:24.

Será?

O design para a melhor experiência do usuário (UX, de user experience) aparece forte nas tendências do marketing dos próximos anos (Deloitte). A demanda por este profissional triplicou no Brasil (Michael Page) e espera-se um total de 100 milhões de pessoas atuando globalmente com UX em 2050.

A ideia de UX está associada ao entendimento sobre como uma pessoa se relaciona com determinados objetos e situações, para oferecer a melhor experiência possível. Isto inclui desde programação de eletrodomésticos, compra de ingressos online, visita a sites de notícias, visualização de publicidade em ambiente digital, chegando ao mundo físico nas diversas atividades do cotidiano.

O papel do designer de UX é entregar uma experiência sem fricção, sem interrupções, para que a interação com a marca seja a mais satisfatória possível. Em outras palavras, trabalhar para melhorar a experiência do usuário significa criar um ambiente no qual, ele, usuário ou consumidor, responda adequadamente aos estímulos de marketing desenvolvidos pelas empresas. E é especialmente importante no ambiente digital, no qual a experiência positiva do usuário contribui para a realização dos objetivos de curto, médio e longo prazo das empresas.

É papel do designer de UX conduzir o consumidor para que abra o e-mail marketing, se inscreva em newsletter ou em outros serviços, clique em anúncios, faça download de e-book e de outros materiais de conteúdo de marca, e que compre de produtos e serviços.

Os casos de sucesso de investimentos em UX já apareceram: Magazine Luiza, Electrolux e Nubank. São empresas que, segundo material produzido pelo IAB Brasil, colheram resultados financeiros de impacto após a implantação de processos baseados na experiência do consumidor.

E como todos os relacionamentos que se estabelecem entre marcas e consumidores, seja no mundo online ou não, passam pelo uso de dados pessoais, a regulação entra forte nesta equação: Marketing + UX + LGPD.

Então, a serviço de quem está o designer de UX?

Certamente está a serviço do marketing que tem indicadores de performance a serem perseguidos, e precisa garantir que seus consumidores se engajem em ações comerciais. Um ambiente digital simpático, de fácil trânsito e entendimento, sem fricção na experiência seja de compra, seja de outra forma de engajamento, colabora muito para o resultado da empresa.

No entanto, muitas destas ações estiveram, por anos, apoiadas em dark patterns, uma espécie de ‘pegadinha’ para direcionar o usuário para a tomada de decisões que ele não estaria totalmente consciente.

Por exemplo: o consumidor está num site de compra de ingresso de cinema, segue no processo de escolha de filme, dia, hora da sessão, número e quantidade de assentos, e ao clicar para concluir a compra… ao ser direcionado para o check-out, o site gentilmente coloca uma oferta de ‘combo pipoca-refrigerante’ em seu carrinho. Para remover a oferta, o consumidor precisa clicar na caixinha que diz: ‘não quero pipoca e refrigerante’, para só então seguir para a conclusão da compra.

Várias outras situações podem configurar a prática do dark patterns, existe inclusive um site que reúne e explica algumas delas (www.darkpatterns.org).

O design de UX também estará cada vez mais a serviço das legislações de proteção de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A qualidade da experiência do usuário terá papel fundamental para a aderência ao princípio da transparência, para a correta obtenção do consentimento, e para o exercício dos direitos dos titulares estabelecidos pela nova lei.

Na Europa pós-GDPR (o regulamento de proteção de dados em vigor na União Europeia desde maio de 2018), um mercado se formou em torno das chamadas plataformas de gerenciamento de consentimento (Consent Management Plataforms – CMPs). Porém, um estudo, feito em conjunto pela University College London e pelo MIT, revelou que das 5 CMPs mais usadas em 10 mil sites analisados no Reino Unido, apenas 11% estavam aderentes às regras do GDPR.

Assim como no regulamento europeu, a LGPD exige que o consentimento seja uma decisão livre, afirmativa, informada e inequívoca. Ou seja, o usuário precisa obrigatoriamente entender aquilo com o que está concordando. Na mesma medida, não pode ser exposto a formas que enfatizem a opção mais ‘benéfica’ para a empresa. Caixas pré-marcadas que obrigam o opt-out também estão proibidas.

A possibilidade de revogação do consentimento, diz a LGPD, deve ser facilitada ao usuário, assim como o acesso aos dados tratados, podendo o titular requisitar que sejam corrigidos e atualizados. Logo, mais uma vez o designer de UX terá papel fundamental no compliance das empresas, pois poderá preparar um ambiente fácil e amigável para o exercício dos direitos do usuário, por exemplo.

Muito tem sido falado sobre o impacto da LGDP sobre as áreas de marketing, sobretudo nas empresas que já operam no modelo data-driven. No entanto, é preciso ter em mente que as exigências da lei e o consequente privilégio da privacidade do consumidor acabarão por criar um público-alvo genuinamente interessado nas marcas com as quais escolhe se relacionar.

As bases de dados diminuirão de tamanho num primeiro momento, mas quem ficar terá um valor muito maior. Os truques ao estilo das dark patterns serão cada vez mais combatidos, não só pela regulamentação, mas também pelos consumidores que já demonstram atenção e interesse pelo destino dos dados que entrega.

Ao que parece caberá à atividade de UX dentro das empresas a missão de servir a dois senhores a um só tempo: ao marketing e à regulamentação. No entanto, o fiel desta balança será, sempre, o consumidor.

Mariana de Moraes Palmeira é advogada e professora da PUC-Rio, onde atualmente, entre outras disciplinas, leciona na formação em LGPD do Instituto de Direito da Universidade. É também doutoranda do Departamento de Direito da PUC-Rio, onde desenvolve projeto de pesquisa em privacidade, proteção de dados pessoais e novas tecnologias. Pesquisadora do DROIT (grupo de pesquisa em Direito e Tecnologia). Professora convidada dos cursos do ITS-Rio. Mestre em Administração de Empresas, com mais de 10 anos de atuação em grandes empresas.