Linguagem Simples: o poder é nosso. Por Bárbara Villa.

Estou acompanhando com muita empolgação os conteúdos e publicações que tratam e divulgam a linguagem simples, inclusive aqui mesmo, no portal O.C.I.

Como tradutora e redatora, percebo a questão de diferentes perspectivas, que compartilho com vocês.

Como redatora de marketing, recebo um planejamento para SEO e preciso fazer um texto que consiga ao mesmo tempo agradar o leitor e capturar a atenção do algoritmo, com um limite mínimo e máximo de texto estabelecidos pelo cliente.

Em alguns casos, é desafiador não “encher linguiça”, oferecendo novos vieses e saborosos desdobramentos para temas que podem parecer bem limitados. Em outros, é quase impossível cumprir os tópicos indicados no planejamento, sem deixar o texto telegráfico, mecânico e artificial. Eu me esforço bastante em conseguir esse equilíbrio, e acho que quase sempre consigo.

Hoje eu consigo reconhecer à primeira vista um texto feito exclusivamente para SEO que não acrescenta nada, e muitas vezes nem faz sentido. Um emaranhado de palavras-chave que, apesar se serem bem-sucedidas em colocar o material “na primeira página do Google”, não enriquecem a experiência do leitor; ao contrário, causam frustração.

Linguagem e Poder.

Já no meu trabalho como tradutora é comum eu trabalhar muito com peças jurídicas. E o “juridiquês” é famoso por ser hermético e inacessível. Ao longo desses anos (décadas) posso afirmar o quanto a linguagem, assim como o direito, é uma esfera de poder. Aliás, eu poderia dizer que boa parte do poder do Direito está na linguagem. Lei é letra.

Se a comunicação une, ela também pode ser utilizada para segregar. Muitos textos jurídicos são deliberadamente prolixos, longos, por vezes propositalmente ambíguos e até capciosos. Se até juízes e advogados sofrem para desenvolver raciocínios expressos em frases longas, indiretas e intercaladas, imaginem o que sente um leigo ao ler uma sentença, ou mesmo uma intimação.

No curso de Inglês Jurídico da Fundação Getúlio Vargas, o foco era o Direito privado e havia um módulo inteiro dedicado à linguagem simples. É do interesse das partes que haja acordo, consentimento informado a respeito das cláusulas dos acordos.

Já nos processos judiciais, com os quais eu lido com mais frequência, a prolixidade é marca registrada. O inglês é naturalmente mais simples do que a língua portuguesa, utiliza frases mais curtas e a ordem direta com mais frequência.

Acabei intuitivamente adotando a linguagem simples na hora de traduzir, dando alguns passinhos além da tradução, excluindo redundâncias, traduzindo palavras rebuscadas, segmentando parágrafos em frases mais curtas e, sempre que possível, colocando as frases em ordem direta.

São adaptações em que o texto original não perde seu sentido, mas fica mais conciso e claro. Mesmo assim, o revisor do Word acusa muitas long sentences que às vezes são um parágrafo inteiro, principalmente nas versões do português ao inglês.

Não são traduções juramentadas, mas documentos que apoiam o trabalho das equipes de advogados em processos que têm desdobramentos em mais de um país. O retorno foi muito positivo, e as equipes ficaram satisfeitas com a adaptação. As partes precisam saber o que está acontecendo, o que está sendo solicitado e que providências devem ser tomadas. O mais é filigrana, como se diz no jargão jurídico.

Pelo que observo, ainda estamos longe de que os próprios advogados e juízes se habituem a tornar a linguagem jurídica mais acessível aos leigos, mas podemos destacar alguns avanços.

Em 2015, em Santa Catarina, um advogado foi instado pelo juiz a reduzir sua petição inicial a 10 laudas. O advogado recorreu, mas a sentença foi mantida “amparada nos princípios da celeridade processual (rapidez), da razoabilidade (bom senso) e da eficiência (eficiência mesmo).

Existe um projeto do Tribunal de Justiça de São Paulo que propõe limitar a extensão de petições e sentenças a 10 páginas.

Advogados, juízes e procuradores aderem ao projeto voluntariamente, no entanto, a linguagem rebuscada está tão entranhada na prática jurídica, que na própria página de apresentação do projeto nos deparamos com parágrafos como: “Extensos arrazoados geram dificuldade na análise do direito controvertido, prejudicando a celeridade processual”. Essa frase poderia ser expressa em linguagem simples: “O excesso de argumentos dificulta o julgamento e atrasa o encerramento do processo”.

Uma das perspectivas da linguagem simples enquanto causa é permitir que a comunicação se dê sem intermediários. No Brasil, é vedado ao indivíduo fazer a sua própria defesa, ou propor uma ação por si mesmo. Esse fato às vezes me dá a impressão de que a injustiça é lucrativa, e que muitas pessoas, instituições e entidades usam a lei de má-fé, contando que uma pessoa leiga não será capaz de fazer valer o seu direito sem a ajuda de um advogado (e, em alguns casos, de um advogado muito bom).

É um caso em que a linguagem segrega. Boa parte do poder do Direito vem do hermetismo de sua linguagem, mas talvez a gente possa viver para vez isso mudar.

Desde 2019, tramita no senado um Projeto de Lei que busca tornar a linguagem simples a norma na administração pública direta e indireta, instituindo a Política Nacional de Linguagem Simples, tendo como marco a Lei de Acesso à Informação. O município de São Paulo já instituiu, desde 2020, sua Lei Municipal de Linguagem Simples, nos mesmos moldes do PL federal.

Acesso é autonomia. Serviços acessíveis, inclusive quanto à sua linguagem, empoderam o povo e fortalecem a democracia.

Bárbara Villa é jornalista (UFF), tradutora (UGF) e pedagoga (UBC).