NOVA COLUNA: A ciência da comunicação. Por Lilian Sanches.

Como se forma a opinião pública? Conheça a abordagem habermasiana.

Considerado o precursor nos estudos sobre opinião pública, Walter Lippmann estabeleceu o nexo causal entre mídia e opinião em 1922, com a publicação do livro intitulado “Opinião pública”. As premissas postuladas na obra se mantêm como referenciais teóricos para diversos autores relevantes, como os norteamericanos Maxwell McCombs e Donald Shaw, que desenvolveram a hipótese do agendamento, em 1972, com base nas ideias de Lippmann acerca da relação da imprensa e a construção da opinião pública.

Por meio de diversos estudos de caso, McCombs e Shaw apontaram como a salientação – que seria a principal função da mídia – atua para a formatação da relevância de determinado assunto na opinião pública e, consequentemente, no cenário político, o qual, por sua vez, reage à opinião pública. Este conceito permeia o primeiro e célebre capítulo da obra de Lippmann (1922) – “O mundo exterior e as imagens em nossas cabeças” –, que pode ser sintetizado com a frase: “… para serem adequadas, as opiniões públicas precisam ser organizadas para a imprensa e não pela imprensa, como é o caso de hoje”. (Ibidem, p. 37)

Inspirado pelo conceito de existência humana de Hanna Arendt, o filósofo alemão Jürgen Habermas buscou os estudos históricos da polis grega para postular seu conceito de esfera pública, considerada uma dimensão mediadora entre a sociedade e o Estado. Esta atuação possibilita, em última instância, a formação da opinião pública, que, para o autor, só pode existir de fato se o acesso aos direitos de liberdade de expressão, reunião e associação for garantido a todos os cidadãos. Desta forma, haveria possibilidades para a emancipação humana na esfera pública por meio da ideia central de racionalidade comunicativa.

Paradoxalmente, o trabalho desenvolvido por Habermas neste campo influenciou diversos teóricos, mas, também foi objeto de muitas críticas ao longo dos anos. Em “O império do efêmero” (1989), Lipovetsky questiona a concepção de que o “pronto-para-consumir midiático” funcionaria como instrumento de redução da capacidade de fazer uso crítico da razão, conceito que considera elitista-intelectualista, pois subentende que:

O que diverte não poderia educar o espírito, o que distrai só pode desencadear atitudes estereotipadas, o que é consumido só pode opor-se à comunicação racional, o que seduz a massa só pode engendrar opiniões irracionais, o que é fácil e programado só pode produzir o assentimento passivo. (LIPOVETSKY, 1989)

Outro crítico de Habermas, Schudson (1995) rejeita parcialmente o conceito de esfera pública, classificando a mídia como uma esfera de governo e alegando que há uma linha tênue que divide o Estado e a imprensa privada.

As críticas proferidas por estes e demais estudiosos, que “reduziram o modelo habermasiano ao aspecto dialógico, com base na comunicação interpessoal, julgando-o ultrapassado pela complexidade da comunicação contemporânea” (BARROS, 2008), contribuíram para que Habermas apresentasse revisões dos conceitos referentes à esfera e opinião pública.

Assim, o filósofo alemão passou a considerar a esfera pública como uma rede complexa e interativa – que pode ser internacional, nacional, regional ou local – para a disseminação de conteúdos, na qual a formação de opiniões referentes a temáticas de interesse comum é dualística. A esfera pública deixa de ser considerada como o conjunto de indivíduos que compõem o público e, então, a opinião pública evolui para o fruto de uma prática comunicacional que racionalizou argumentos e contra-argumentos, influenciando o sistema político vigente. (HABERMAS, 1997)

Nos materiais que postularam a teoria do agir comunicativo, Habermas (1981) já renunciava o conceito de que os meios de comunicação operam apenas com o objetivo de reproduzir a estrutura social vigente. A partir de então, o autor identifica um espaço comunicacional mais abrangente, conferindo a ambiguidade do papel social da mídia. Ao longo da revisão conceitual, três categorias de esfera pública foram delimitadas, uma delas caracterizada por ser produzida midiaticamente. Na esfera pública abstrata, a imprensa atua, conectando públicos e os unindo geograficamente. Habermas (1997) “reconhece que a agenda ou o conteúdo da mídia são conduzidos por atores institucionais poderosos e estão quase inacessíveis a atores coletivos de fora do sistema político ou que não pertencem a grandes corporações”. (BARROS, 2008).

Quer saber mais?

HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

______. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1981. Traducido do original: Theorie dês Kommunikativen handelns, Frankfurt. Tradução para o espanhol.

______. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução de Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

LIPPMANN, W. Opinião Pública. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.

Lilian Sanches é jornalista, mestre em Comunicação Social e doutoranda no Programa de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo.

E-mail: liliansanches@usp.br