Com sua habilidade de refletir sobre dilemas sociais de maneiras inovadoras, a estética pode ser relevante para o repertório interpretativo ao oferecer, por meio da criatividade e da imaginação, insights alternativos sobre as Relações Públicas e entendimentos reflexivos que tangenciam as técnicas analíticas predominantes nas Ciências Sociais e que permitem deslocar a atenção para compreensão e públicos excluídos nas perspectivas dominantes e as consequências emocionais dos fenômenos organizacionais.
Nesse contexto, a própria linguagem assume um sentido mais denso: mais do que um meio de comunicação, ela é um processo no qual os indivíduos representam eles mesmos e os outros, bem como o seu entorno, no qual se manifestam valores que definem o significado cultural do mundo a partir de múltiplos pontos de vista. A partir da estética, é possível repensar fenômenos organizacionais concebidos como dados e não-problemáticos e identificar sua origem, natureza e implicações, engajando-se em práticas de representação de formas criativas que permitem desafiar as formas de pensamento e de representação do público e focar como elas são internalizadas em nossas mentes, hábitos e consciência coletiva.
A estética desvela que o significado de conceitos como o público ou os stakeholders foi fixo e estabilizado historicamente por meio das práticas discursivas de teóricos das Ciências Sociais e de líderes da comunicação ao tratar das variações espaço-temporais que esses conceitos assumem e desestabilizar uma conceituação única para todos os lugares e tempos. O exame do processo de criação e de recriação de práticas discursivas que legitimem tais conceitos evidencia que não há uma fundação ‘natural’ desses fenômenos, mas um processo de criação de símbolos, valores e mitos. A reprodução de instituições como as próprias organizações dá-se por meio de estratégias discursivas refinadas a fim de convencer os indivíduos, de forma que tal conceito não é estável por não possuir uma significação ontológica pré-estabelecida.
Mais do que apenas sinalizar a forma como conceitos e perspectivas culturais particulares adquirem performaticamente sua autoridade e impõem ordens de significado às custas de outras, uma consideração mais precisa da estética no estudo das Relações Públicas elucida que discursos de conhecimento sobre ‘razão’ ou ‘verdade’ não remetem a noções subjacentes ou fundacionais, mas são gerados como exercícios de controle em circunstâncias históricas específicas nas organizações. Em face disso, a chegada da estética nos estudos das Relações Públicas promove mudanças na sensibilidade por meio de abstrações e de figurações e desafia a construção do ‘senso comum’ e da opinião pública.
A estética pode oferecer uma interpretação que capta processos contenciosos historicamente específicos, os quais garantem a permanência simbólica de conceitos a partir de práticas institucionalizadas, e desafia a autoridade do local de enunciação dominante. Ela traz à tona incoerências e alteridades nas práticas de inteligibilidade, como, por exemplo, projetos silenciadores de múltiplas vozes numa política totalizante forjada por um sistema único de significado e a instabilidade desse processo de construção de fronteiras e hierarquias.
Dessa forma, as Relações Públicas baseiam-se em formas miméticas de representação que, a partir de um pressuposto de racionalidade substantiva, produzem e reproduzem o entendimento comum de que existe uma correspondência objetiva entre o representado e a representação, permitindo assim a produção e a acumulação de conhecimento científico. Ao resgatar o lugar da estética nas reflexões disciplinares, chamo a atenção para a possibilidade de desafiar a construção do senso comum e da opinião pública, produzindo assim uma reorientação do pensamento que permite reincorporar as perspectivas de públicos que se encontram marginalizados nas práticas da política estratégica e silenciados nos discursos analíticos sobre o ambiente organizacional.
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Ana Moura é brasileira, relações-públicas e estudante de Relações Internacionais. Gosta de falar sobre tudo. Atua como pesquisadora de Comunicação e Trabalho e de Cultura Organizacional.