Eu sempre fico meio tensa quando a aula é sobre a teoria do conhecimento em Immanuel Kant. Não é insegurança minha sobre o conteúdo, mas um receio de que os estudantes não captem o sentido da coisa.
Começamos naquele dia nosso segundo encontro sobre o filósofo do criticismo e lá estava eu no quadro cheio de ”juízo analítico” p’ra cá, ”juízo sintético” p’ra lá, quando Pedro levanta o dedo e indaga:
- Roberta, o que Kant quis dizer com ”Não se ensina filosofia, mas a filosofar?”.
Putz, esse garoto está lendo Kant pelas minhas costas…rsrs… Esta não era uma dúvida da aula que estava sendo dada e era mais difícil de responder do que ”juízo síntese a priori”. Eu realmente não esperava a pergunta do Pedro. Não naquela turma de 2o. ano, onde a gente já tinha conversando sobre esse lance de filosofar no ano anterior, não em meio à minha tensão para explicar categorias e noumenon.
Diante do silêncio da turma – e do Pedro -, eu respirei fundo (para oxigenar o cérebro!) e mandei:
– Eu não ensino vocês a filosofar. Isso aqui que está no quadro: racionalismo, empirismo;, é História da Filosofia. Mas cada vez que eu mostro análises diferentes da realidade que explicam a mesma coisa de formas diferentes e vocês ficam super-confusos, cheios de dúvidas sobre quem está ”certo” ou se alguém está ”errado”, é aí que vocês filosofam. Porque é a hora em que começam a pensar e a construir suas próprias considerações sobre o pensamento.
Depois de um pequeno silêncio, eu mesmo falei:
– Cara, que coisa linda. Nunca tinha pensando nisso que eu disse…
E a gente seguiu com a revolução copernicana kantiana…
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Imagem: Shutterstock – 1451523287.
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Quem sou: Roberta Melo, graduada, especialista e mestre em Filosofia; professora com quase 15 anos de carreira; autora do livro ‘Ressentir ou Afirmar? Perspectivas nietzscheanas sobre a dor’, editora Appris, 2018; autora de verbetes de Filosofia na Enciclopédia virtual ‘knoow.net’; apresentadora de vídeos sobre Filosofia no canal ‘Sopro de Atena’. (https://www.youtube.com/soprodeatena).