'A natureza do Homem pode ser deformada pelas opiniões dominantes; mas é indestrutível e encontra meios de reafirmar-se'. Eric Voegelin.

Deu, em 20/08/2024, no NEIM (Não é Imprensa), o texto de Dionisius Amendola: #AVidaDaRazão. Devemos ir contra as opiniões da moda.

Ler é construir um espaço interior particular, espaço este onde podemos silenciar os ruídos e distrações de um mundo cada vez mais inóspito ao pensar, tão avesso ao contemplar. Quando nos melhores momentos, este espaço serve para dialogarmos com autores e ideias que enriquecem aquela “vida do espírito” da qual fala Eric Voegelin.

E é com o filósofo alemão que tenho passado as últimas semanas, lendo particularmente os Ensaios Publicados, que, apesar da tradução que torna a prosa do filósofo alemão mais pedante e encalacrada, descaracterizando sua leveza e fluidez de ideias, ainda assim é de enorme prazer abrir diálogo com este autor tão descaracterizado pela ralé de leitores – diria influenciadores – deste país que fizeram de tudo para deformar e usar suas ideias para grotescos fins políticos.

Não à toa que a publicação do primeiro texto gerou comentários medonhos da maioria dos leitores, incapazes de ler e entender um simples texto. Felizmente a chave para redescobrir Voegelin é quase banal, bastando apenas ler seus ensaios diretamente. Lembro aqui que algo semelhante aconteceu com Christopher Lasch e seu A revolta das elites, que felizmente conseguiu ser resgatado das garras da malta, ainda que não completamente entendido pelo público. Esperemos que Voegelin também seja recuperado, para nosso próprio bem.

Quando afirmo que a chave para tal resgate é a simples leitura de seus textos, sigo aqui o próprio Voegelin; no ensaio Dos estudos clássicos, ele trata de como, em um ambiente de indiferença e mesmo ódio ao estudo da natureza humana, especialmente aquela manifestada pelos gregos, tal ambiente não significa o “fim do mundo”, pois tais “climas de opinião, embora durem mais do que se poderia preocupar alguém além de seus ganhadores libidinosos, não duram para sempre”.

Ao refletir sobre o desdém contemporâneo ao esforço dos gregos para chegar à compreensão de sua humanidade, Voegelin nos ajuda a entender como podemos recuperar, e nunca desistir, de cultivar os estudos e a vida da razão, de como podemos resistir às deformações da nossa natureza humana impostas por uma elite de “educadores” que tem como objetivo ajustar as consciências ao clima de opinião vigente. Tal clima de opinião é explicitamente conflitante com a criação platônico-aristotélica da filosofia como a ciência da natureza do homem; se isso era verdade quando na época deste ensaio (escrito nos anos 70), quanto mais hoje em dia, quando a esquerda neo-progressista (woke) se revolta até mesmo contra as ideias Iluministas, e a direita-reacionária mergulha em velhas taras pagãs de culto à pátria e ao sangue.

Ambas são as vertentes ideológicas que têm como fundamento a ideia de que podem mudar a natureza humana, seja pela evolução histórica, seja pela ação revolucionária. Portanto, estamos diante de um receituário, de um pharmakon que pode lançar as sementes de uma sociedade saudável e voltada ao fundamento divino de sua existência, vivendo na tensão do Eros.