COMUNICAÇÃO ACESSÍVEL E SEM FRONTEIRAS - Para ter o que dizer, antes é preciso ouvir – e muito! Por Bruna Ramos da Fonte.

Se você me perguntasse o que – ou quem – eu queria ser quando criança, diria sem medo algum que o meu sonho era ser uma versão feminina do Indiana Jones. Apaixonada por História desde muito pequena, eu sonhava em crescer e ser como ele: uma pessoa que vive, respira e escreve a História, para então retornar com todo aquele conhecimento e compartilhar com os meus alunos. Dia após dia, passava os intervalos de aula na biblioteca do colégio, lendo e pesquisando naqueles volumes vermelhos e enormes da Barsa; confesso que foram muitas as vezes em que me escondi nos espaços vazios das prateleiras para não ter que voltar à aula de matemática e ter tempo para continuar a minha leitura.

Quando meu pai percebeu essa minha inclinação para a pesquisa, se tornou um divertimento para ele me levar para ver de perto aquelas histórias sobre as quais eu tanto pesquisava. E foi assim que em um dos períodos de férias ele me levou para conhecer a casa do Santos Dumont em Petrópolis e, também, o Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos – onde está guardado o seu coração e uma réplica do 14 Bis. Em outra ocasião, me levou para ver a coleção de artefatos egípcios do Dom Pedro I no finado Museu Nacional do Rio de Janeiro. Eu tinha não mais do que oito ou nove anos quando vi uma múmia pela primeira vez e, assim que voltei daquela viagem, pedi à Maria Regina – minha professora de História – que cedesse um espaço na sua aula para que eu ensinasse os meus colegas sobre mumificação. Um tema extremamente inusitado vindo de uma criança, a minha oferta pegou a professora de surpresa e, curiosa com o que aquilo poderia render, ela marcou a minha apresentação para a semana seguinte. A minha aula sobre mumificação foi um sucesso tão grande que a professora acabou adotando a ideia e, a partir de então, passou a abrir espaço nas suas aulas para que, os alunos que quisessem compartilhar algum tipo de conhecimento pudessem também ser “professores por um dia”.

Aquela foi a primeira vez que senti o prazer de dividir o meu conhecimento com alguém e, desde então, nunca perdi de vista a professora que eu queria ser. Os anos se passaram e foram muitas as minhas vivências como professora nos mais diversos ambientes e para os mais distintos perfis de alunos no Brasil e no exterior; e principalmente, foram muitos os cursos, os livros, as pesquisas e as viagens que fiz para ter subsídio e conhecimento para ensinar com propriedade aquilo que me proponho a ensinar. Nesse ano de 2021 eu completo vinte e um anos de publicação literária e, ainda hoje, sigo estudando e me aprofundando não somente nas áreas da comunicação e da escrita, mas também nos assuntos sobre os quais escrevo ou desejo ainda escrever. Toda essa bagagem enriquece o meu repertório e continua fornecendo o conhecimento do qual necessito para aprimorar cada vez mais tanto o meu processo de escrita quanto de ensino.

Sou filha e neta de professoras, então na minha casa estudar sempre foi algo muito natural. Somado a isso, ainda criança estudei piano e violino em conservatório e posso afirmar que estudar música de maneira formal é uma lição de humildade que você leva para a vida, pois se aprende logo de início que não é possível a manutenção do virtuosismo em um instrumento sem a prática e o aprendizado constante. Portanto, se engana quem pensa que optar por trilhar o caminho das artes e da cultura isenta a pessoa de estudar, permitindo a ela que construa a sua prática somente nas bases da aptidão ou da intuição: na época em que toquei em orquestra, chegava a praticar cinco, seis horas por dia depois que chegava do colégio. Então, esta é uma lição que pode ser transferida e aplicada em outros campos da vida: se você não mantiver uma rotina de estudos e aperfeiçoamento, inevitavelmente ficará defasado.

       Uma orquestra se apresenta em Havana: estudar música de maneira formal é uma lição de humildade que você leva para a vida.

Como não há nenhum requisito acadêmico ou formal para produzir arte, muitos utilizam essa aparente informalidade como pretexto para parar de estudar e, com isso, o que vemos com frequência são pessoas que, por falta de um conhecimento mais amplo, passam a vida “intuitivamente” quebrando a cabeça para produzir a sua arte; bastaria um pouco mais de estudo para que compreendessem o mecanismo do fazer artístico, capaz de otimizar e facilitar o seu processo de criação. Muitas pessoas viveram antes de nós e tiveram a oportunidade de descobrir, teorizar e compartilhar suas descobertas com o mundo, então há muito conhecimento à nossa disposição: basta querer buscá-lo.

Quando isso não acontece, acabamos vendo pessoas talentosíssimas que poderiam ir muito mais longe, mas acabam ficando estagnadas porque têm resistência em ser alunas, em aprender além daquilo que já sabem ou desenvolveram intuitivamente. E, quando falo em ser aluno, não estou dizendo que a pessoa tenha a obrigação de desenvolver uma carreira acadêmica, por exemplo; estou dizendo que é preciso ler, é preciso fazer cursos – universitários ou não –, é preciso pesquisar e estar sempre disposto a aprender a partir da troca de experiências com o outro. O que não pode é passar o dia inteiro sentado no sofá esperando a inspiração chegar, pois como muito bem pontuou Picasso, “a inspiração existe, mas precisa encontrar você trabalhando”. Sozinha, a inspiração não encontra terreno para acontecer; ela precisa ser alimentada por referências, conteúdos, ideias e reflexões. É preciso aprender a observar e interpretar o mundo ao seu redor, refletir sobre as suas observações e criar uma linha de pensamento a partir destes elementos. “Pensar é o trabalho mais difícil que existe, talvez por isso tão poucos se dediquem a ele”, disse Henry Ford em busca de resumir essa problemática em apenas uma frase.

Quer um bom exemplo? Se você decidir construir uma casa sem ter uma planta feita por alguém que tenha o conhecimento necessário para isso – e que tenha se dedicado a pensar aquele projeto de maneira única –, o pedreiro ficará completamente desnorteado, sem saber por onde começar ou como desenvolver aquela construção; inevitavelmente, muitos erros acontecerão e as chances de o resultado final não estar à altura das suas expectativas é quase certa. Da mesma forma acontece com a construção de um livro: se você começar a escrever aleatoriamente sem ter pensado, sem ter refletido e “projetado” aquela narrativa, a chance de você se perder dentro da sua própria história é muito grande. É este o processo que muitos entendem como “bloqueio criativo” e que nada mais é do que falta de planejamento. Como você conduzirá o seu personagem e a sua narrativa, se não souber qual mensagem quer transmitir com a sua história? Se não conhecer seu personagem – e as intenções dele – de perto? Escrever uma história sem planejamento é como empreender uma viagem sem saber aonde se quer chegar: você estará inevitavelmente perdido. Em contrapartida, se a você forem apresentadas algumas ferramentas simples – como a própria “jornada do herói” – garanto que bloqueios criativos ou ausências de inspiração deixarão de ser parte da sua rotina, pois o “projeto” da sua narrativa será o seu guia e a sua bússola durante todo o processo de escrita.

É preciso saber utilizar a técnica e a teoria a nosso favor, a fim de facilitar o processo de produção artística. Iludir-se pensando que já se sabe tudo impedirá você de aprender com outros mestres que tenham vivências distintas das suas. Principalmente se você é um professor ou se exerce, de alguma maneira a prática de ensino e transmissão do conhecimento: não se esqueça de que, para ser um bom professor, antes de tudo é preciso ser um bom aluno. Aquele que ensina não pode nunca deixar de estudar: não podemos nos “sentar” no trono do conhecimento e julgar que somos detentores de um saber supremo, pois isso transcenderia a própria condição humana à qual estamos subordinados. O maior erro que um professor – ou comunicador – pode cometer é acreditar que não há nada mais a ser aprendido, pois esta é uma postura arrogante que, além de não agregar em nada, é o atestado de óbito do profissional em tempos de avanços tecnológicos.

Desafie-se a ampliar os seus horizontes e a buscar novos conhecimentos. Frequentemente optamos pela segurança de transitarmos exclusivamente naqueles territórios já conhecidos pois expor-se a situações e contextos sobre os quais não temos conhecimento ou domínio nos deixa em uma posição extremamente desconfortável. Estar entre pessoas que sabem mais do que nós inevitavelmente gera uma grande sensação de desconforto e insegurança, mas nos desafia a crescer cada vez mais. Nunca se esqueça que, para ser um bom comunicador, não basta apenas conhecer e dominar as técnicas de linguagem e oratória: é preciso ter conteúdo, é preciso ter o que dizer. E para ter o que dizer, antes é preciso ouvir – e muito!

Foto: da autora.

Bruna Ramos da Fonte é biógrafa, escritora, fotógrafa ensaísta, professora e palestrante. Especialista em Leitura e Produção Textual com Aperfeiçoamento em Psicanálise Clínica, é criadora da sua própria metodologia no campo da Escrita Terapêutica. É autora de diversos títulos, incluindo “Escrita Terapêutica: um caminho para a cura interior” (Letramento, 2021) e as biografias de Sidney Magal e Roberto Menescal. Visite: www.brfonte.com