Panóptico. Esta palavra sempre me deixou com uma pulga atrás da orelha desde a época da faculdade (olha que isso faz muito tempo, viu?). Seja por sua sonoridade ou por seu significado. Posteriormente, no mestrado em Administração – disciplina de cultura organizacional – ela mexeu comigo mais uma vez. Nos tempos atuais, no cenário Coronavírus, ela ressurgiu fortemente em meus pensamentos.
Explico-me. Antes, deixe-me expor para quem não a conhece.
O que é esse tal Panóptico?
É um termo idealizado pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham, em 1785, relativo a um modelo estrutural que poderia ser aplicado principalmente em prisões. O projeto é representado por um edifício circular, com uma torre ao centro e diversas celas ao redor.
Cada cela teria uma abertura para a passagem de luz interna e externa de forma a não deixar qualquer ponto de sombra para o vigilante. Assim, o prisioneiro não conseguiria visualizar bem o ambiente da torre, mas o vigilante, em uma única torre, era capaz de observar todas as celas.
Genial! Qual o intuito desta concepção? Criar um mecanismo de vigilância eficiente, de baixo custo operacional e que gerasse um impacto psicológico nos encarcerados. Iria ocasionar o sentimento de todos sendo observados, mas sem saber se realmente o estavam. Aos prisioneiros, causaria uma baita pressão psicológica, afinal, estavam sendo observados e, consequentemente, com receio de fazer algo.
A lógica dessa estrutura foi utilizada também para escolas, hospícios, hospitais e até mesmo fábricas. Portanto, em locais os quais se desejasse monitorar e adotar ordem, disciplina e controle.
Moral da história: ‘posso ver, sem ser visto’.
Panóptico: pan (tudo) + óptico (visão) – visão total. Vigilância invisível.
Vigilância e controle
Esse conceito do panóptico simboliza o poder disciplinador na vida de um indivíduo. Foi nessa linha que o filósofo francês Michel Foucault (1976) desenvolveu diversos estudos sobre os modelos de poder da sociedade moderna baseados na vigilância total do indivíduo.
Para ele, a estrutura concebida por Bentham, onde alguns agentes têm o poder de monitorar e sancionar o comportamento dos demais sem que eles possam distinguir se estão sendo vigiados ou não, não se limita somente ao ambiente das prisões e a este tipo de vigilância física.
Foucault (1976) foi além deste modelo de arquitetura e trouxe a sua concepção para um sistema moderno de pensamento no que tange à vigilância permanente do indivíduo. Seus estudos mostram diversas formas em que o homem é monitorado, submisso, docilizado e útil a determinado sistema.
Panóptico na pandemia
Trazendo esta linha de pensamento para a atualidade e especificamente para o momento em que vivemos, qual a sua reflexão sobre os mecanismos de panóptico que as organizações já utilizam ou irão valer-se nos tempos home office sem-data-para-acabar?
OK, já vivemos em um mundo bem Big Brother! Câmeras nas ruas, nos edifícios, nos dispositivos móveis. Já existem meios de se monitorar uma pessoa/funcionário no mundo online como fontes e momentos de conexão ou conteúdos acessados. Já existem os Big Data Analytics e os Bis da vida.
O que mais virá? De que forma a inteligência artificial, a automação, a cibernética, a internet das coisas e sei-lá-mais-o-que irão ‘contribuir’ para a manutenção do poder disciplinar?
A finalidade do panóptico na sociedade atual – pasmem! – continua a mesma de mais de 200 anos atrás: controlar o processo produtivo e o comportamento das pessoas. Ver sem ser visto.
Deixo aqui esta pulga atrás da sua orelha…
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Referência:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1976.
#poder #controle #panóptico
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Varda Kendler é mestre em Administração com formação em Publicidade e especialização em Marketing, Comunicação Empresarial e Gestão Estratégica da Informação. Tem experiência, em empresas de grande porte, em gestão da comunicação integrada, cultura organizacional e marketing. Atua como educadora, consultora e empreendedora.