Negue. Negue tudo. Negue sempre.

Em tempos de operação ‘Lava-Jato’, o mote ‘negue, negue tudo, negue sempre’ – que parece extraído de um texto de Nelson Rodrigues sobre adultério ou de um romance policial de Agatha Christie sobre múltiplos assassinatos – está em voga. Não que isto seja uma novidade. De ilícitos descobertos a flagrantes delitos, os crimes são sempre negados e renegados. Muito diferente dos episódios da série ‘Law & Order’ onde, vira-e-mexe, há longos solilóquios nos quais o criminoso confessa – com riqueza de detalhes – o plano, sua execução, e mesmo as motivações (muitas vezes insuspeitas) do feito. Malfeito.

Hoje, n’O Globo (P. 16), os irmãos Joesley e Wesley Batista – pivôs da operação ‘Bullish’ (definitivamente, há algo de hollywoodiano no ar quando se trata de batizar operações policiais no Brasil), pela enésima vez, defendem-se negando fatos comprovados. Colocam em xeque, com suas negativas, a própria existência de fiscalização no âmbito da poderosa Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Comissão de Valores Mobiliários (a CVM – idem poderosa ‘xerife’ do mercado de capitais).

Trechos:

”O Ministério Público Federal (MPF) aponta um ‘inegável caráter fraudulento’ na organização societária das empresas do grupo J&F, que criou CNPJs distintos daqueles dos empreendimentos produtivos para distribuir lucros e dividendos à família controladora”.

”Um laudo da PF [Polícia Federal] apontou pelo menos cinco irregularidades nos aportes do BNDES no grupo J&F. São eles: desvio de finalidade no emprego dos recursos, erros de cálculo na formação do preço das ações, abandono da forma de cálculo para conversão de debêntures, mudança rápida na percepção de risco do negócio e dispensa de garantias em operação com debêntures”.

”Procuradas, a J&F e a JBS classificaram de ‘insinuação leviana’ a suspeita de fraude. ‘O grupo não criou empresas empresas não operacionais para distribuição de lucros e dividendos à família. Não há fraude alguma. Todas as operações societárias foram feitas de acordo com a lei…”.

”Todas as operações com o BNDES foram abertas de acordo com a mais rigorosa transparência e dentro dos melhores padrões de governança”.

Ora, se nos casos citados, ‘rigorosa’ é a transparência, e ‘melhores’ os padrões de governança, é de se supor que, no Brasil, anda muito débil a regulamentação sobre governança, a qual funda-se sobre 4 pilares, a saber:

– ‘Fairness’ – senso de justiça, com equidade no tratamento dos acionistas.
– ‘Disclosure’ – transparência das informações, especialmente das de alta relevância, que impactam os negócios e que envolvem resultados, oportunidades e riscos.
– ‘Accountability’ – prestação responsável de contas
– ‘Compliance’ – conformidade no cumprimento de normas

COMENTÁRIO

Não podemos deixar de ressaltar, ainda, que a ‘batalha de versões’ acima se dá via imprensa – numa eterna ‘guerra de notas’, já objeto de análise por este OCI. Em (1), (2) e (3), entre outras.

Desconfiemos sempre de negativas peremptórias. Quando um (qualquer um) secretário de finanças de uma metrópole brasileira (há duas) vai para a frente das câmeras ‘negar que haja uma indústria de multas de trânsito, a qual mais serve para arrecadar do que para educar motoristas’, o mais provável é que nunca antes a prefeitura tenha ‘faturado’ tanto com multas de trânsito em série – muitas vezes duplicadas ou aferidas por radares não homologados. As abarrotadas juntas de recursos, os muitos escritórios especializados surgidos ‘no ramo’ da ‘proteção do direito de dirigir’ mais a avalanche de ações na justiça confirmam a regra.

Nunca é tarde para lembrar a motivação da criação da atividade de relações públicas (para tratar de ‘public affairs’), no final do século XIX, nos Estados Unidos – que vai de ‘o público que se dane’, de William Henry Vanderbilt (em 1882), a ‘o público deve ser informado’, de Ivy Ledbetter Lee (fundador da relações públicas, assessor de John D. Rockefeller – no ano de 1906).

LINK para a íntegra da matéria de Vinícius Sassine – https://oglobo.globo.com/economia/ministerio-publico-ve-fraude-na-organizacao-do-grupo-jf-21924040