Uma história com o mapa do Brasil. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Ana Catarina, uma famosa crocheteira do Amapá, levou 10 anos para comprar a casa dos seus sonhos. Percorreu duas corretoras de imóveis da pequena cidade de Coronel Murta, no norte de Minas Gerais, mas não tinha sucesso em nenhuma delas. No entanto, ela não queria se mudar de lá, estava decidida a passar o resto da sua vida ali, longe de tudo.

Várias pessoas da família diziam:

– Mude de cidade. Vá para um lugar mais movimentado, aí não é para você! Não há nada nesse lugar.

E a resposta era sempre a mesma quando alguém lhe fazia esta indagação:

– Não é você que tem que gostar da cidade e sim eu, não é verdade?

– E você gosta do calor que faz lá? Muitas pessoas dizem que lá é “a amostra grátis do inferno”… Por que faz tanto calor assim?

– Eu gosto de calor, gente interiorana. Tenho a minha vida pacata. Não quero muito luxo. Gosto de ver uma galinha ciscando pelo terreiro e “pedindo” comida na porta da cozinha ou um calango correndo pelo cimento quente. À noite, quando faz muito calor e eu não consigo dormir, vou passear na praia do rio Jequitinhonha a poucos metros de onde moro. E daí? Eu gosto disso…

Ninguém da família da crocheteira entendia o motivo de tamanha afeição com aquela cidade nos cafundós de Minas Gerais.

Na verdade, Ana Catarina resolveu procurar um lugar bem longe para viver, pois queria se livrar de um triste passado. Por muitos anos, sofria com um casamento que só lhe rendeu tristezas. O ex-marido, Anastácio, era bastante rico, dono de muitas terras no Amapá. E o que a mulher queria, ele prontamente atendia. No entanto, a crocheteira, depois de poucos meses de casada, percebeu que o marido só amava os bens que possuía, mesmo presenteando a esposa com tudo o que ela desejasse.

Cansada de conviver com aquela ganância, esperou que ele fizesse uma viagem para o interior do estado. Juntou o que pôde em duas malas; trancou a porta da casa; deixou as chaves embaixo do coqueiro, como combinado quando um deles saía e viajou “sem eira, nem beira” para o norte de Minas Gerais. Era um tempo em que não existia internet, os interurbanos eram absurdos. Isso, porém, não era um problema para Anastácio, mas a mulher precisava se libertar daquelas “algemas”. Se ele quisesse, colocaria seus “capangas” atrás dela e a buscaria na Indonésia se fosse preciso, mas nunca o fez.

Foram dois dias de viagem. Ela não quis pegar um avião. Precisava colocar seus pensamentos no lugar. A passagem tinha o destino de Montes Claros. Depois, ela seguiu para Coronel Murta. A escolha da cidade foi na sorte. Um dia, abriu o mapa do Brasil, fechou os olhos, “correu o dedo” sobre o papel e parou exatamente em Coronel Murta. “É aqui a minha futura casa!”.

Nos primeiros três anos, ela morou na pequena pensão de Dona Iracema. Ali ajudava na cozinha em troca do aluguel. Como a proprietária sabia das “prendas” de Ana Catarina, rapidamente fez o nome da crocheteira ficar famoso na cidade. Cinco anos depois, ela já pagava a pensão com o trabalho de crochê e o da cozinha. Tudo ia dando muito certo. Logo, Dona Iracema a convidou para se tornar sócia na pensão, afinal, o trabalho de Ana Catarina estava se tornando cada vez mais conhecido na região. Suas peças de crochê que já variavam entre vestidos, bolsas, carteiras e colchas passaram a ser vendidos tem todas as cidades no entorno de Coronel Murta.

A pensão de Dona Iracema ia crescendo também. A crocheteira também introduziu a culinária do Amapá em vários pratos da cozinha. Muitas pessoas procuram o local não só para a hospedagem, mas também para almoço e a compra das peças de crochê. Então, as sócias resolveram abrir uma pequena loja ao lado a pensão.

Ao fim de 9 anos, Ana Catarina, amadureceu a ideia de se mudar da pensão. Queria a sua própria casa. O objetivo era comprar uma, mas a cidade não era muito movimentada para isso. Seria preciso procurar um lote e começar do zero! Ela pensou durante um tempo, conversou longamente com Dona Iracema, que mais parecia ser sua mãe, e chegou à conclusão que o jeito comprar um lote. Não havia outra escolha.

Iria construindo “aos pouquinhos” com as economias da pensão e das peças de crochês. Assim foi feito. Contratou dois pedreiros conhecidos na cidade, Zé Pedro e Idelfonso. Tratou logo de começar a obra.

No primeiro dia das escavações do terreno para fazer o alicerce da casa, um dos pedreiros encontrou um saco, daqueles de ráfia, enterrado. Foi à pensão e chamou Ana Catarina às pressas:

– Patroinha, a senhora precisa ir lá no terreno!

– O que houve, Zé Pedro?

– Vamo lá! Mandei Idelfonso parar a escavação!

Chegando ao terreno, Ana Catarina se assustou com o tamanho do saco enterrado, destampado pela metade.

– Peguem este saco, por favor. Precisamos ver o que tem dentro. – Ela temia pelo pior.

Pelo tamanho, aquilo mais parecia uma criança. Quando abriram o saco, foi um alívio. Ficaram admirados com a quantidade de pedras coloridas junto a uma estátua de São Francisco de Assis, santo devoto de Ana Catarina.

– Parecem pedras preciosas, patroinha… O que a senhora vai fazer? – Indagou Zé Pedro.

– Olha, tem um bilhete aqui. – Falou Idelfonso.

“Fui devoto de São Francisco de Assis. Sei que ele era de família rica, mas não queria riqueza… Estou muito doente, vou morrer logo, por isso enterro estas minhas pedras de ametista junto ao meu Santo nesse lote. Agora, eu entrego a você. Por favor, com parte desta riqueza, construa um hospital nesta cidade. Dê emprego a muitas pessoas, mas, sobretudo, salve vidas! Porque a minha não foi salva…”. Ass. Jacinto Dores, 15 de junho de 1945. Observação: Em caso de dúvidas, procure o cartório de Coronel. Lá vai encontrar uma cópia deste bilhete.

Os dois pedreiros e Ana Catarina ficaram mudos por alguns minutos. Seria realmente verdade?

– O que vai fazer, patroinha? – Perguntou Idelfonso.

– Eu sou dona do terreno, mas vocês que acharam. Então, vamo ao cartório verificar? Caso seja totalmente verdade, precisamos colocar em ação o pedido de Jacinto Dores. É o mais justo não é verdade?

– Sim, claro. O terreno é da senhora, então a riqueza é sua e a responsabilidade também! – Disse Zé Pedro.

O achado do Santo com as ametistas correu toda a cidade em poucas horas após a ida de Ana Catarina com os pedreiros ao cartório. Eles constataram: era tudo a mais profunda verdade; uma fortuna incalculável naquele tempo. Foi um alvoroço na cidade! Saiu até nos jornais: “Encontrado tesouro de 1945 enterrado na cidade”.

Jacinto Dores foi o homem mais rico da cidade, porém morreu de febre maculosa uma semana depois do enterro de São Francisco junto das ametistas.

Em menos de dois anos, a crocheteira, de forasteira e sócia de pensão, passou a ser a proprietária de um hospital em Coronel Murta com Zé Pedro, Idelfonso e Dona Iracema como sócios. O hospital gerou dezenas de empregos e ajudou muitas famílias na cidade pois, antes disso, elas precisavam ir para outro município quando tinham doenças mais complicadas.

Eles deram ao empreendimento o nome de “Hospital São Francisco de Assis”. Na entrada, construíram uma pequena gruta onde colocaram o Santo e, logo abaixo, uma plaquinha:

“Em memória de Jacinto Dores, nosso grande benfeitor! Coronel Murta agradece eternamente”.

Ana Catarina finalmente entendeu porque algo estranho a levou àquela cidade… Uma decepção no casamento fez com que ela pudesse ajudar na saúde e na vida de tantas pessoas que a acolheram com muito amor. Um povo realmente hospitaleiro. Algo inexplicável! Certo dia, triste com sua vida, ela simplesmente pegou um mapa do Brasil, fechou os olhos e deixou correr o dedo… Foi o destino? A sorte? Quem sabe um dia é possível encontrar uma resposta…

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.