Uma discussão sobre a saúde mental do jornalista em meio ao noticiário trágico. Por Jéssica Freitas.

O ano de 2019 não está sendo fácil. Depois de um início pautado por uma série de tragédias –  que até ganharam seu espaço no primeiro texto dessa coluna, sobre Brumadinho, o Ninho do Urubu, as chuvas no Rio e a morte de Boechat - , o ano nos surpreendeu novamente, na última semana, com um combo de cinco dias seguidos pautados por um noticiário extremamente dramático.

Na segunda-feira (11), São Paulo estava debaixo d’água. Na terça (12), o emblemático caso Marielle ganhou um novo desdobramento com a prisão de Lessa e Queiroz. No dia seguinte (13), o massacre em Suzano colocou o país em luto. Na quinta-feira (14), o assassinato da vereadora do Psol completou um ano. E, na sexta (15), um ataque a tiros fez 50 mortos e 50 feridos em mesquitas na Nova Zelândia.

São notícias duras, amargas de serem lidas e digeridas pelo público em geral. No entanto, neste espaço que me é reservado hoje, gostaria de voltar a minha atenção aos seres humanos que atuam como profissionais da imprensa, por trás dessas coberturas.

Escrevo aqui sob a perspectiva de quem trabalha com a publicação de tudo o que é hard news em um portal de notícias, e alerto: há algo de muito nocivo à saúde mental dos jornalistas na cobertura de eventos trágicos como os da semana passada –  isso sem contar o ataque na Holanda, que respingou o clima de tristeza também na semana em que estamos.

Sem saber que, no dia seguinte àquele, um ataque a tiros atingiria a Escola Estadual Professor Raul Brasil, escrevi abertamente nas redes sociais, na última terça, a respeito de como eu sou, sim, sensível a certos assuntos sobre os quais faço cobertura jornalística. O texto foi motivado por uma mensagem de carinho a mim, recebida logo após escrever um texto sobre um caso de feminicídio.

Me chocou muito perceber que, depois dessa publicação, a situação só se agravou. Por fim, a semana inteira acabou sendo carregada por um sentimento de extrema dor pelo que saiu no noticiário.

Sabemos que, frente a essas situações, muitos repórteres e editores acabam assumindo um posicionamento frio para tocar o trabalho do dia-a-dia –  o que eu aprecio, entendo e, muitas vezes, faço. No entanto, como toda a questão ligada à saúde mental, é preciso que, vez ou outra, deixemos de lado a imagem de durões e falemos abertamente sobre o problema.

Você conhece algum jornalista com ansiedade, depressão ou síndrome do pânico? No ano passado, só na Rede Globo, pelo menos cinco jornalistas e três cinegrafistas foram temporariamente afastados por estresse e por se sentirem deprimidos. O caso mais conhecido foi o da apresentadora Izabella Camargo.

Dei uma pesquisa rápida na internet e encontrei poucos artigos acadêmicos falando especificamente sobre a saúde mental do jornalista. Apesar disso, não é novidade que a profissão vem sendo anualmente apontada por rankings mundiais como uma das mais estressantes.

No Brasil, a situação chega a ser ainda mais complicada, dado que o país figura entre as dez nações com o pior índice de impunidade em crimes contra jornalistas. Isso sem contar na gigantesca quantidade de casos de assédio moral a jornalistas que é registrada no país  – os ataques vêm do público e também de dentro das próprias redações, que muitas vezes são ambientes hostis ao profissional.

Apesar de tudo, casos difíceis de serem noticiados seguem chocando o país e é responsabilidade do profissional de imprensa divulgar tais acontecimentos. Eu mesma, por exemplo, jamais me posicionaria contra a divulgação de qualquer um dos assuntos que tomaram o noticiário na semana passada. Afinal, noticiar é preciso e necessário para a manutenção de uma sociedade pautada na democracia.

Então, como resolver essa equação? Ainda há muito o que se estudar sobre o assunto, mas medidas de precaução como conversas sensíveis com os seres humanos por trás das pautas pode ser um caminho positivo para manter a sanidade mental nas redações.

O que não pode mais ser feito é ignorar a questão por completo (inclusive academicamente) ou estimular que os profissionais reprimam sua empatia durante o exercício de suas funções  – o que prejudica não só a pessoa em si, mas também o seu desempenho como profissional de comunicação.