Terra, fogo, água… e ar: os quatro elementos de um jornalismo que toca o barquinho rápido demais. Por Jéssica Freitas.

Refletindo sobre as tragédias que vinham impactando a vida de tantos brasileiros nos últimos 20 dias, me deparei com os quatro elementos da natureza, tão referenciados em obras da literatura e do campo filosófico: terra, água, fogo e ar. Fiz tal reflexão no último domingo, ao voltar para casa depois de mais um plantão na redação.

Por terra, pensava no rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. Em seguida, lembrei da água, que deixou sete vítimas fatais no Rio de Janeiro. Na sequência, pensei na última sexta-feira, quando o fogo levou, no Centro de Treinamento do Flamengo, dez vidas esperançosas e cheias de sonhos.

Faltava-me o ar enquanto fazia tal reflexão – em ambos os sentidos. Assim como respirar diante da naturalização de tais acontecimentos se fez difícil, não havia, ainda, nada que pudesse ser relacionado ao elemento mais leve dentre os quatro supracitados.

O ar ainda não nos tinha levado Ricardo Boechat.

Respeitado por tantos profissionais e amado por uma série de ouvintes, Boechat  – que me foi referência desde quando cogitei fazer uma faculdade de Jornalismo –  era tão mestre da área que nos deixou lições até no momento da sua despedida.

Em seu último comentário ao vivo, feito na própria segunda-feira na rádio Bandeirantes, o jornalista também lembrava das recentes tragédias e criticava a velha tradição brasileira, seguida pela mídia, de ‘tocar adiante’. Logo ele, o cara da expressão ‘tocar o barquinho’.

‘Quando a gente chora, sofre, lamenta o fato ocorrido ontem, a gente parece estar anestesiado ou gostar da anestesia que nos faz esquecer desse fato tão logo surja o fato de amanhã, que terá o mesmíssimo tratamento’, disse o jornalista, na tão coincidente ocasião.

Horas depois, foi ele mesmo quem ocupou o tal lugar de destaque no noticiário trágico. O único lugar na mídia que jamais esperávamos que ele ocupasse. Ouço seu comentário repetidas vezes até percebê-lo como se fosse editor da própria morte pautada.

‘O que temos de colocar em cima da mesa, diante de nós mesmos, como sociedade, é se queremos continuar lidando com essas tragédias, pranteado-as no início e esquecendo-as logo depois. A tragédia de Brumadinho já sumiu das primeiras páginas’, reforçou o mestre.

Secadas as lágrimas, nesta quarta-feira, o nome de Boechat também já deixou as primeiras páginas de algumas publicações. No entanto, a dor permanece entre nós jornalistas e todos aqueles que o amavam. O mesmo acontece com as famílias e os amigos das vítimas de Brumadinho, da chuva no Rio e do CT do Flamengo.

Afinal, ‘tocar o barquinho’, de verdade, não é tão fácil quanto editar uma nova manchete.

Jéssica Freitas é jornalista e comunicadora digital, apaixonada por Educação e pelo marketing de conteúdo. Estudou Jornalismo na USJT e Letras na FFLCH-USP. Trabalha com jornalismo online e com mídias sociais há sete anos, acumulando experiências nas redações dos portais iG, Terra e Yahoo, dos jornais Diário de São Paulo e O Estado de S. Paulo, e do Canal Rural.