TENDÊNCIAS ETC. - Saudade e cerveja, por favor. Com uma dose de nostalgia! Por Carolina Sales Marouvo.

– Ah, no meu tempo…
– Bons tempos…
– Direto do túnel do tempo…

Se estas frases (ou pensamentos) já eram comuns antes da pandemia, agora fazem ainda mais parte das nossas vidas. A saudade tem nos acompanhado de perto e a nostalgia está presente também em produtos, serviços e campanhas. É, ainda, mencionada em diversos relatórios de tendências e de mapeamento do Zeitgeist.

Apesar do novo parecer sempre sedutor, a segurança e o conforto proporcionados pelo que já conhecemos e gostamos funciona como um mecanismo de defesa para nós, seres humanos. Nesta situação desafiadora em que vivemos há mais de um ano, repleta de ansiedade e fadiga pandémica, o desejo de que as coisas voltem ao normal que nós conhecemos aumenta a cada dia.

Em uma recente pesquisa feita pela empresa OnePoll nos Estados Unidos, 71% dos participantes disseram que começaram a jogar mais videogame desde o início da pandemia e um em cada três dá preferência aos jogos clássicos, que remetem à infância.

Outro indicador neste sentido é o aumento da procura por comfort food e todos aqueles sabores que nos fazem lembrar bons momentos que vivemos com a família ou com amigos – mesmo que isso signifique hábitos alimentares menos saudáveis. O relatório “Quarantine Kitchens”, da Wunderman Thompson, mostra que as marcas de comida processada e junk food tradicionais nos Estados Unidos, como a Conagra Brands e a Campbell Soup Company, viram as suas vendas crescerem mais de 50% no início da pandemia.

“As pessoas estão tendo flashbacks da sua infância”, disse o CEO da Conagra Brands, Sean Connolly, em uma entrevista ao programa Mad Money. Esta visão do executivo foi corroborada por um artigo do New York Times, publicado há cerca de um ano.

Muitas marcas já identificaram este sentimento coletivo e trabalham em cima disso para conquistar e fidelizar clientes. A Ambev, por exemplo, apostou na nostalgia ao investir na transmissão de desfiles de Carnaval históricos em 2021, uma vez que este ano não houve folia no Brasil. A ideia era levar um pouco do clima de Carnaval às pessoas pela televisão, uma tentativa de compensar a ausência dos desfiles das escolas de samba, que não deixavam de ocorrer desde 1932.

No Super Bowl, Uber Eats, Doritos e Cheetos optaram por artistas consagrados no início dos anos 2000, nos anos 1990 ou até antes para as suas publicidades. Se pararem para pensar nas campanhas, produtos, lançamentos e comportamentos que têm visto desde 2020, vão encontrar alguns outros bons exemplos…

De acordo com o site TrendsObserver, “representações, práticas e artefactos do passado, ainda presentes na memória coletiva, servem como âncoras identitárias e importantes elementos para uma associação simbólica que tem um impacto positivo ao nível de identificação emocional entre os públicos”.

No entanto, é importante referir que o marketing de nostalgia não é necessariamente contrário à inovação ou às novas tecnologias. A famosa plataforma de genealogia MyHeritage tem feito sucesso com o seu Deep Nostalgia, um programa de inteligência artificial que “dá vida” a fotos de pessoas mortas.

“Esta funcionalidade destina-se a uma utilização nostálgica, ou seja, trazer de volta à vida os seus antepassados queridos”, explica um dos textos da plataforma. Pode parecer estranho, mas a ideia é usar a tecnologia para mostrar ou lembrar a um filho ou a um neto como o seu ente querido sorria, balançava a cabeça ou piscava os olhos, por exemplo.

Qualquer semelhança com a série Upload, disponível na Amazon Prime, não deve ser mera coincidência.

Carolina Sales Marouvo é jornalista com especializações em análise de tendências e comunicação empresarial. Divide o coração entre o Rio de Janeiro, sua cidade natal, e Lisboa, onde vive atualmente. Adora viagens e passeios e plantas e praia e música e arte e cerveja e…