SOBRE SUSTENTABILIDADE - Sustentabilidade, conservação do bioma cerrado e gestão de corpos hídricos. Por Joema Carvalho.

Região da Savana ou Cerrado

O termo Savana (Sabana, em espanhol) é derivado do termo indígena caribenho Habana que significa cor marrom-clara, de tonalidade semelhante à do tabaco de Havana. A Savana é definida como uma vegetação xeromórfica, preferencialmente de clima estacional, ou seja, que apresenta um período seco de aproximadamente 6 meses. Pode, também, ocorrer em clima ombrófilo. Reveste solos lixiviados e com altas concentrações de alumínio, o que configura solos com baixa fertilidade natural e com restrições para o estabelecimento de algumas espécies vegetais.

O Cerrado possui uma fisionomia bastante peculiar, adaptado ao clima estacional quente e seco, ora com presença de árvores de médio porte com troncos e galhos tortuosos, casca grossa, folhas coriáceas e brilhantes ou então pilosas, ora com fisionomia de campo limpo. Devido a esta configuração, foi subdividido em subgrupos: savana florestada (cerradão), arborizada (campo-cerrado), parque e gramíneo-lenhosa, estépica (caatinga do sertão árido, campos de Roraima, charco sul-mato-grossense), estépica-florestada, estépica arborizada, estépica parque e estépica gramíneo lenhosa.

As plantas possuem adaptações a esta condição ambiental. A vegetação é capaz de inibir a perda de água (xeromórfico). Existem espécies com gemas que perduram após a seca da parte aérea (hemicriptófita e geófitos) e tolerantes a falta de matéria orgânica e nutrientes no solo (oligotróficos). É possível encontrar espécies como o barbatimão (Stryphnodendron barbadetimam, Mimosaceae), o pequi (Caryocar brasiliense, Caryocaraceae), a lobeira (Solamum sp., Solananaceae) e vários tipos de cactos.

O Cerrado constitui o segundo maior bioma do Brasil e da América do Sul, ocupando uma área de 1,3 milhões de km² no território brasileiro. Ocorre na região central do Brasil, atingindo parte da região norte, oeste, nordeste e sudeste. No Paraná, região Sul, ocorre como pequenas “ilhas” que representam relictos de uma condição climática mais seca, sendo o limite meridional de distribuição no Brasil (Figura 1).

Figura 1 – Mapa fitogeográfico do Brasil (IBGE, 2012).

Bioma seco e responsável pela irrigação de grande parte do território brasileiro

O Cerrado é considerado o “berço das águas”. Ele tem uma importância estratégica para o abastecimento e manutenção de uma rica biodiversidade. Com a geografia marcada por planaltos, o bioma abriga diversas nascentes e importantes áreas de recarga hídrica. Desempenha um papel fundamental para as principais bacias hidrográficas brasileiras e sul-americanas.

Das doze principais regiões hidrográficas do país, oito têm nascentes na região: a bacia Amazônica (rios Xingu, Madeira e Trombetas); a do Rio Tocantins-Araguaia (rios Araguaia e Tocantins); a Atlântico Nordeste Oriental (Rio Itapecuru); na Bacia do Parnaíba (rios Parnaíba, Poti e Longá); na do São Francisco (rios São Francisco, Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande); na do Atlântico Leste (rios Pardo e Jequitinhonha); na Bacia do Paraná (rios Paranaíba, Grande, Sucuriú, Verde e Pardo); na do Paraguai (rios Cuiabá, São Lourenço, Taquari e Aquidauana).

A contribuição do bioma para as águas do país fica em torno de 78% da área da bacia do Araguaia-Tocantins, 47% da área do São Francisco e 48% do Paraná/ Paraguai estão inseridas no Cerrado. Contribui com a maior parte da água que alimenta essas três bacias: 71% da produção hídrica da bacia do Araguaia/Tocantins, 94% do São Francisco e 71% do Paraná/Paraguai.

No Cerrado estão as nascentes dos rios que formam o Pantanal. Em 1988, este bioma foi declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira e possui locais de relevante importância internacional pela Convenção Ramsar de Áreas Úmidas, sendo, também, considerado Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, desde 2000. O Pantanal responde por mais de 90% da vazão da bacia do São Francisco e por quase metade da bacia do Rio Paraná, que abastece a Hidrelétrica de Itaipu.

No Cerrado estão localizados três dos principais aquíferos do país: Bambuí, Urucuia e Guarani, fundamentais para o fluxo dos rios. O aquífero Bambuí está localizado entre o Cerrado e a Caatinga, no norte de Minas Gerais, dentro da bacia hidrográfica do Rio São Francisco. O Urucuia localiza-se totalmente dentro do bioma, atingindo diversos estados. O Guarani, segundo maior aquífero do mundo, possui metade de sua área no cerrado.

A degradação do Cerrado é crescente

Em 12 meses, o Cerrado perdeu área equivalente a quase duas vezes o Distrito Federal. De agosto de 2020 a julho de 2021, foram desmatados mais de 8,5 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa (8.531,44 km²), equivalente a um aumento de quase 8% em relação aos 12 meses anteriores. É o maior índice de desmatamento do Cerrado desde 2016.

O Maranhão foi o estado que apresentou a maior área de vegetação desmatada, com mais de 2 mil quilômetros quadrados (2.281,72 km²), seguido por Tocantins (1.710,55 km²) e Bahia (925,11 km²). Os três estados formam a mais recente fronteira agrícola do país, chamada de Matopiba.

Tasso Azevedo, coordenador do Mapbiomas, explica que o país não precisa mais desmatar para aumentar a produção de alimentos. Considera que por trás do desmatamento está a falta de fiscalização: “Mais da metade das pastagens do Brasil se encontram com processo de degradação e que, se recuperadas, podem não só sustentar o crescimento da pecuária quanto sustentar o crescimento da agricultura sem precisar derrubar mais nenhum hectare. Os últimos levantamentos apontam que mais de 95% do desmatamento no Cerrado tem indícios de ilegalidade”.

Segundo Edegar Rosa, diretor de conservação do WWF Brasil: “Não cuidar do Cerrado vai acabar tendo um efeito cascata que chegará no consumidor final. No preço de energia mais caro, no preço de um alimento mais caro, porque também não teve água disponível para irrigação. Então, isso acaba afetando a toda a população e a sociedade que depende daquele bem que gera uma cadeia de resultados”.

Considerações Finais

Por ironia ambiental, o Cerrado é caracterizado por escassez de água, porém, é responsável pela irrigação de grande parte do território nacional, possuindo 8 das suas 12 bacias hidrográficas e três aquíferos, sendo zona de recarga deles.

Conforme os dados, a degradação do Cerrado é ilegal e há falta fiscalização para se evitar esta prática. Esta realidade reflete a falta de informação a respeito das diversas funções ecológicas e serviços ambientais que dependemos deste bioma.

Práticas sustentáveis de uso e ocupação do solo e manejo da propriedade rural são conhecidas, difundidas e comprovadas cientificamente. Tasso Azevedo, coordenador do Mapbiomas, colocou que não precisa mais desmatar para aumentar a produção de alimentos e que há muita pastagem degradada no país que podem ser recuperadas para agropecuária.

Edegar Rosa, diretor de conservação do WWF Brasil, deixa claro que teremos sérias consequências econômicas relacionadas ao preço da energia e do alimento em função da falta de irrigação, devido ao comprometimento da disponibilidade de água.

Conforme coloquei no artigo anterior “Sustentabilidade: Conservação e Gestão dos Corpos Hídricos”: “A escassez de água é cada vez mais comum dentro de um contexto global. Em um futuro próximo, poucos terão acesso e qualidade deste recurso ambiental, gerando diversos problemas econômicos, políticos, sociais e ambientais. Mudanças de atitudes e políticas governamentais são urgentes para se evitar uma crise hídrica de grandes proporções”.

Referências

IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Série Manuais Técnicos em Geociências. nº 1. Rio de Janeiro. 2012.

Brandão, M.; Carvalho, P.G.S. & Jesué, G. 1992. Guia ilustrado de plantas do cerrado de Minas Gerais. CEMIG. Companhia Energética de Minas Gerais. 78 p.

Dias, B.F.S. 1996. Alternativas de desenvolvimento dos cerrados: manejo e conservação do recursos naturais renováveis. FUNATURA. Fundação Pró-Natureza. Brasília. 97 p.

Uhlmann, A. 1995. Análise fitossociológica de três categorias fitofisionômicas no Parque Estadual do Cerrado – Jaguariaíva/PR. Dissertação de Mestrado. UFPR. Curitiba. 153 p.

JORNAL NACIONAL. Cerrado perde área equivalente a quase duas vezes o Distrito Federal em 12 meses. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/01/07/cerrado-perde-area-equivalente-a-quase-duas-vezes-o-distrito-federal-em-12-meses.ghtml. Acesso em: 24/01/2022.

CERRADO: Berço das Águas. Disponível em: https://ispn.org.br/biomas/cerrado/berco-das-aguas/. Acesso em: 24/01/2022.

Joema Carvalho é engenheira florestal, doutora, perita, sócia-diretora da Elo Soluções Sustentáveis, colunista do Observatório de Comunicação Institucional e do Facetubes.