Sobre assuntos que não falamos e a presença de Maju no Jornal Nacional. Por Jéssica Freitas.

Há quem diga que, para além da paz e do amor, é necessário pregar a interpretação de texto. Sou amiga de uma professora de Língua Portuguesa e nós duas concordamos com essa máxima. Porém, no campo da imprensa, noto que a dificuldade em entender a mensagem que um texto passa costuma vir acompanhada por outro vilão da comunicação efetiva: a falta de interesse genuíno sobre aquilo que é comunicado.

A culpa, caros comunicadores, é nossa. Assim como aprendemos lá nos tempos de faculdade, quando uma informação é transmitida entre dois seres, ela só passa a ser parte de um processo de comunicação satisfatório quando for recebida e compreendida. É a tal relação entre emissor e receptor das mensagens, sejam eles pessoa-pessoa, organização-colaboradores, publicitários/anunciantes-consumidores, jornalista-audiência, ou quem quer que seja. Ainda na faculdade, aprendemos que a responsabilidade por um processo comunicativo eficaz recai sobre o emissor. Ou seja, se uma mensagem não for bem entendida pelo receptor, a ‘culpa’ é de quem tentou se comunicar, mas não conseguiu.

No último sábado, comemoramos um grande passo para as mulheres negras e para o Brasil: a presença de Maria Júlia Coutinho, uma jornalista negra, pela primeira vez na bancada do Jornal Nacional, o noticiário televisivo mais icônico do País. Não é por menos que o assunto tomou as redes sociais e foi celebrado em uma série de matérias. Afinal, Maju, como gosta de ser chamada, é a primeira mulher negra a ocupar esse importante espaço na imprensa brasileira.

Porém, junto a muitos elogios e homenagens, houve quem diminuísse a glória de Maju por conta da má interpretação de texto –  para não citar os que desdenharam da conquista por mero racismo. Parte dessas pessoas dizia que, apesar de ser uma jornalista que merece estar onde chegou, Maju não era a primeira negra a ocupar a bancada do Jornal Nacional.

Houve quem insinuasse que Glória Maria teria sido a primeira negra a apresentar o JN, coisa que jamais aconteceu. Também teve quem lembrasse de Zileide Silva, repórter do jornal, que também nunca sentou naquela bancada –  apesar de já ter apresentado o Jornal Hoje, primo mais novo do JN. Por fim, até o nome de Heraldo Pereira veio à pauta. Ele é negro, mas a questão é que ele não é uma mulher.

Se a cerimônia estivesse sendo feita em torno de Maju ter sido a primeira mulher negra a apresentar um telejornal brasileiro, os nomes de Joyce Ribeiro, Luciana Barreto, Luciana Camargo, Dulcinéia Novaes, Eliana Victório e Graça Araújo seriam levados à pauta com louvor. Mas a questão não era essa. Os títulos das matérias que exaltavam a conquista de Maju eram claros e verdadeiros: Maria Júlia Coutinho fez história sendo a primeira mulher negra a ocupar o espaço de apresentadora, ainda que plantonista, do Jornal Nacional da Rede Globo.

Qual o erro do comunicador, então, em noticiar tal mérito? Posso arriscar que a falha veio antes da pauta, por omissão mesmo. Afinal, a audiência não estava preparada para falar sobre a ausência, nos últimos quase 50 anos, das mulheres negras na posição de âncora do jornal. Isso jamais foi pauta, pois ninguém considerava ser um assunto que deveria ser discutido. O leitor não foi treinado: ele não sentia a falta de negras naquele lugar.

Até o ano de 1989, somente homens apresentaram o JN. Era como se as mulheres naturalmente não precisassem ocupar esse espaço. O mesmo se fez, até o dia 16 de fevereiro de 2019, a respeito das mulheres negras: elas não seriam cotadas para serem âncoras do JN até que alguém quebrasse o padrão branco. Se houve alguma falha na comunicação sobre o feito de Maju, que deva recair sobre o emissor da mensagem  – foi uma omissão de 50 anos que nunca levou esse assunto à pauta popular.

Quando o público precisa revirar o histórico da TV brasileira para ter certeza que uma conquista como essa foi histórica, significa que essa questão não vinha recebendo a devida relevância. E, sobre isso, a culpa é nossa.

Jéssica Freitas é jornalista e comunicadora digital, apaixonada por Educação e pelo marketing de conteúdo. Estudou Jornalismo na USJT e Letras na FFLCH-USP. Trabalha com jornalismo online e com mídias sociais há sete anos, acumulando experiências nas redações dos portais iG, Terra e Yahoo, dos jornais Diário de São Paulo e O Estado de S. Paulo, e do Canal Rural.