De acordo com a mais recente Pesquisa Nacional de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia, 73% dos brasileiros têm interesse em ciência, mas apenas 21% deles afirmam buscar informações sobre o tema com frequência. À baixa procura, soma-se uma ainda menor disponibilização de informações sobre pesquisas e descobertas científicas em canais de imprensa, modalidade de divulgação que facilita a compreensão do grande público e, como pontua a autora do livro Jornalismo Científico, Fabíola Oliveira, contribui enquanto agente facilitador na construção da cidadania. Segundo a Agência Bori, menos de 10% das pesquisas publicadas no Brasil chegam a ser divulgadas na grande mídia.
A rasa divulgação de informações de natureza científica impulsiona de forma inversamente proporcional a disseminação de notícias falsas, prática que tem afetado profundamente a percepção pública e a utilização de informações relacionadas à ciência, além de impactar a capacidade das pessoas de tomar decisões fundamentadas em dados verídicos e reduzir a confiança nas instituições científicas e governamentais, como descreve o livro Desafios e estratégias na luta contra a desinformação científica, da Academia Brasileira de Ciências.
Embora os riscos da desinformação sejam cada vez mais visíveis no contexto atual, a atividade acadêmica, como pontuou Fajällbrant já no final do século passado, é refém do paradoxo entre o sigilo e a difusão, tendo em vista os seguintes fatores caros aos pesquisadores, em similar proporção: fortalecimento de comunidades de cientistas, dependente de divulgação; a reivindicação de prioridade para uma descoberta, dependente do sigilo; e a satisfação dos patrocinadores da pesquisa. Nesse cenário, Débora Peres Menezes e Ricardo Galvão defendem no artigo Ciência Aberta: uma visão desapaixonada, que essa dicotomia pode ser superada, entre outras estratégias, com a ajuda de um profissional competente para auxiliar os pesquisadores a estruturar os dados da pesquisa e guardá-los, função essa que apoiaria na divulgação estratégica de informações científicas e que, para as autoras do presente artigo, deve ser desempenhada por profissionais de Relações Públicas.
Para isso, no entanto, seria preciso superar um dissidência que surgiu em 1950, quando os primeiros estudos científicos documentando o papel do tabaco no desenvolvimento do câncer e outras doenças começaram a aparecer, segundo a Aliança de Controle ao Tabagismo. Na ocasião, para garantir a sobrevivência econômica da indústria tabagista, foi instituída uma campanha de Relações Públicas baseada na criação de dúvidas sobre os efeitos do cigarro à saúde, sem negá-los de verdade, mas defendendo o direito do público de fumar. A campanha de contra senso científico é tida como uma das mais caras e bem-sucedidas da história, tendo sido retratada em detalhe no memorando da Tobacco Institute, organização fundada pelas indústrias tabageiras, e abrindo margem para que outras organizações adotassem posicionamentos semelhantes em oposição à ciência.
Décadas depois do estopim, profissionais de Relações Públicas seguem sendo contratados para produzir contrassenso científico, como destaca Reis Silva. Em artigo científico que integra o livro Comunicação Organizacional e Interdisciplinaridade: interfaces possíveis, o autor aponta que teorias científicas, como o aquecimento global, ainda não são tomadas como verdades absolutas devido ao interesse de organizações e consequente ação dos profissionais de comunicação estratégica, que buscam artifícios contra-discursivos para impedir que a sociedade se engaje com a questão e a tome como verdade. Reis Silva defende que, para superar essa questão, seria necessário que os cientistas explorassem mais o potencial da retórica estratégica, a que somamos a ação da área de Relações Públicas, superando a dissidência que atravessa os séculos.
No contexto atual, em que tantas narrativas disputam a atenção dos indivíduos, a comunicação estratégica não pode ser tratada como um aspecto secundário pelo meio acadêmico. É preciso que haja uma aproximação com as práticas e os profissionais que atuam na área, aplicando às dinâmicas acadêmicas processos de construção de relacionamento com stakeholders, promoção de eventos estratégicos, atuação de assessoria de imprensa ativa e reativa, construção contínua de reputação institucional, entre outras ações. Dessa forma, para além da superação da dissidência, a recomendação é que iniciativas de cunho científico adotem uma postura comunicacional mais ativa, a qual envolve não só investimento em RP, mas também a própria atuação dos espaços do saber na formação de profissionais de Relações Públicas para abordar a temática científica de forma a promover o engajamento do público, em uma dinâmica que se retroalimenta e que é capaz de transformar a visibilidade sobre a ciência no país.
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Imagem: nadine-e-ypyaaEf2ntM-unsplash.
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Milena Carolina de Almeida é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Jornalista e mestre em Comunicação formada pela mesma universidade, além de MBA em Marketing Estratégico pela Universidade Ítalo Brasileira, tem trajetória em assessoria de imprensa junto a instituições públicas, privadas e integrantes do terceiro setor. Escreve sobre comunicação institucional e suas facetas.