PAPO DE TERÇA - Cotidiano: uma teia de breves diálogos. Por Nathália Corrêa.

Há quatro semanas fomos forçados a encarar um novo estilo de vida com a chegada da pandemia de Coronavírus. Há um pouco mais de 30 dias, o assunto das manchetes de jornais é o mesmo. Tentamos evitar alguns noticiários e preservar a saúde mental. Sozinhos, convivendo apenas com familiares ou com pessoas que moram com a gente, isolados em casa, buscamos pequenas fugas para acalmar o coração ou distrair a cabeça.

Aprender um novo idioma, arriscar uma receita diferente, colocar a série em dia ou terminar aquele livro que está há meses na cabeceira. Todas as atividades que foram deixadas de lado pelo simples fato da ‘falta de tempo’ podem ser retomadas agora. Mas, com uma única regra: sem sair de casa.

Não podemos negar que, mais do que nunca, somos constantemente visitados pelo sentimento de nostalgia. Aquela saudade dos amigos, dos programas preferidos, do bar, do cinema ou do teatro, bater à porta sem pedir licença. É como aquele término de relacionamento, em que você se sente ansioso, tenta não pensar, tem horas que pensa sem parar, bate uma bad e tem os momentos de alienação, em que você esquece o que te deixa triste por algumas horas. Você sabe que vai ficar bem, que é tudo questão de tempo. Mas, quanto tempo? Como vai ser a nova vida quando isso passar? Muitas perguntas ainda sem respostas, pois é tudo questão de tempo.

Voltando para a nostalgia, revirando o baú das memórias, nem tão distantes assim, tem algumas pelas quais nos apegamos mais. Aquelas atividades do cotidiano que despertam mais saudade. Mergulhada nesse sentimento, pensando em como era a minha rotina e em tudo o que eu fazia, me veio à mente a seguinte cena.

Um dia de semana qualquer…

Despertador às 6h30, banho, colocar a água para esquentar, passar o café. Ligar a TV, assistir jornal durante 30 minutos enquanto faço a primeira refeição do dia, passo o olho nas redes sociais e respondo algumas mensagens. Desligo a TV. Preparo-me para sair de casa para o trabalho.

Elevador…

‘Bom dia, senhor Jô’. ‘Bom dia, menina!’. ‘Bom trabalho pro senhor. Até à noite’. ‘Vá com Deus, menina’.

Metrô…

‘Moça, senhora! Pode sentar aqui no meu lugar’. ‘Obrigada, minha filha’.

Chego na agência para trabalhar…

‘Tá animada hoje, hein?’. ‘Tá conseguindo ouvir a música no meu fone daí?’. ‘Sim. Adoro essa letra’.

Agência no meio da tarde…

‘Faz um café lá pra gente? Bateu um sono!’. ‘Passando um agora, no capricho’. ‘Huuummm… cheirinho bom de café. Quem tá fazendo? Quero uma xícara também’.

Metrô no final do dia…

‘Dá licença, por favor!’. ‘Vai saltar aqui?’. ‘Vou na próxima, valeu’.

Padaria…

‘Dois pães carecas, por favor!’. ‘Mais alguma coisa?’. ‘Só isso hoje, obrigada’.

Portaria do prédio…

‘Boa noite, sô Jô’. ‘Acho que vem chuva aí…’. ‘Tá com jeito. Tomara que refresque, né?’. ‘Se continuar com esse calor, vai dar praia esse final de semana’. ‘Aí a gente gosta, né sô Jô?’. ‘Eu gosto. Vou aproveitar minha folga’. ‘Senhor tá certo. Até mais!’. ‘Vá com Deus, menina’.

Abro a porta de casa…

‘Novela hoje tá boa’. ‘Não vi ontem. O que rolou?’. ‘Vou tomar um banho e te conto…’.

Revivi um dia como todos os outros da minha vida, antes dessas quatro semanas de confinamento em casa, tentando achar alguma coisa pela qual eu sentia mais falta. Pensei que pudesse ser os passeios de bicicleta pelo Aterro do Flamengo, os barzinhos da Praça São Salvador ou a praia aos finais de semana com os amigos. Mas, não tem uma coisa específica. Sinto falta do conjunto das pequenas coisinhas, das conversas inesperadas do dia a dia, da simplicidade escondida atrás da rotina, que torna os dias e a vida especial.

A comunicação aproxima as pessoas, quebra a distância. Talvez seja por isso que o isolamento em casa, a solidão, a falta de ter alguém para conversar, seja um dos momentos mais difíceis dessa crise. Porque comunicar é da nossa natureza. Costumo dizer que os diálogos são as teias que costuramos durante a vida e são elas que nos mantêm em movimento, envolvendo, cada vez mais e de maneiras distintas, as pessoas em volta da gente.

Esse momento é apenas um ponto para que possamos recomeçar e escrever um novo capítulo, com novos desejos e os mesmos ou outros diálogos. Já pensou no que você sente mais falta? Aproveite esse período para refletir sobre as suas ausências e traçar planos para que a sua presença volte mais fortalecida no futuro.

Imagem: Hendo Wang por Unsplash.

Nathália Corrêa é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e tem MBA em Marketing Digital. Atua na gerência de marketing e mídias sociais.