O tempero especial. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Elaine trabalhava na produção de uma grande tecelagem já havia quase três anos. Funcionária exemplar, muitas vezes era reconhecida com o título de “destaque do mês”. Sempre que a empresa tinha um treinamento externo, ela era uma das colaboradoras escolhidas para enriquecer os conhecimentos. A empresa investia nela pois a direção sabia que era teria um futuro brilhante pela frente.

A presidência tinha certeza de que, antes de Elaine completar quatro anos de casa, ela seria grande candidata a promoção. Certamente, poderia chegar à gerência de produção porque as suas qualidades no trabalho e na liderança de equipe se sobressaíam em relação aos outros colegas.

A mulher gostava muito do seu ofício e também de onde trabalhava. Tinha um ótimo relacionamento com todos os funcionários. Eles percebiam que ali seria o futuro da vida profissional de Elaine.

Naquele tempo, a tecelagem não tinha um restaurante. Era apenas um grande refeitório onde mais de 200 empregados podiam guardar e esquentar suas marmitas. Ela almoçava às 12 horas. Os outros horários eram 11 e 13 horas. Duas colaboradoras da copa gerenciavam o local muito organizado, porém os demais trabalhadores deveriam nomear seus alimentos e bebidas e cada um lavava o material que utilizasse durante o almoço.

A comida que Elaine levava era tão cheirosa que, com o tempo, alguns colegas começaram a pedir encomenda de quentinhas, mas ela recusava por falta de tempo. Como morava muito longe da empresa e chegava tarde em casa, ela julgava não valer a pena tanto esforço. Durante um período em que a moça estava em um treinamento – que certamente lhe renderia uma vaga como gerente de produção -, ela começou a perceber que sua marmita sumia de um dos refrigeradores. “Deve ser alguém que não pode comprar comida, ou porque ganha pouco ou por falta de tempo, então tudo bem”, falava consigo mesma. Às vezes, um colega até dizia que tinha uma carne roubada, ou que encontrou a marmita vazia no refrigerador, porém com valor em dinheiro para o almoço daquele dia. Logo, o dono da marmita não iria ficar como fome. Então todos levavam essas histórias na brincadeira.

No entanto, Elaine começou a ficar incomodada, pois não conseguia descobrir o que estava acontecendo na empresa. Uma vez, encontrou a vasilha suja em cima da pia na hora do café. Aquilo para ela foi “o fim”. Levou o fato ao conhecimento do setor de Recursos Humanos:

– É a quarta vez que a minha marmita some, já mudei de refrigerador e continua sumindo. Hoje, a pessoa que pegou, deixou a vasilha suja em cima da pia… Isso é um absurdo!

– Elaine, isso não é possível! Já conversou na copa? Perguntou se viram algo estranho? Indagou Cristina, funcionária do setor.

– Ninguém dá informação. É possível você verificar, por favor? Até ontem levei numa boa, mas agora passou da conta!

– Fique calma, vamos tentar descobrir o que está havendo.

Em dois dias, a direção convocou uma reunião rápida para tentar “solucionar” o caso, alertando os colaboradores que procurassem deixar as brincadeiras de lado. “Um dia, eu pego! Não sei como, mas eu pego!” – pensou a futura gerente.

O fato parou de ocorrer por umas duas semanas, logicamente devido à reunião. No entanto, novamente o “roubo” da marmita voltou a acontecer. Toda sexta-feira, a comida era usurpada no refeitório e nenhum funcionário dava notícia. O setor de RH não sabia mais o que fazer ou fingia falta de interesse no caso. Naquele tempo não havia câmeras na empresa.

Ela começou a brincar com a situação:

-Vou parar de trazer comida na sexta-feira, porque eu sempre tenho que comprar outra. Estou gastando duas vezes, não é verdade? Pensando bem, a pessoa que tem comido a minha marmita deve estar gostando muito do meu tempero que é bem mineiro, porque não para pegar a minha comida… pelo menos estou agradando algum colega de trabalho.

No entanto, começou a trocar o horário de almoço, mas não pegava a pessoa. Ou ela comia antes ou depois de Elaine. Trocou também a cor da marmita e deixou até sem nome, mas de nada adiantou. A pessoa era mais esperta que ela. Parecia uma perseguição.

Faltavam apenas 5 dias para o fim do treinamento para a promoção de Elaine, numa de sexta-feira bem chuvosa, a moça resolveu preparar bem cedinho uma deliciosa feijoada, com arroz, angu e couve. Foi a melhor feijoada que ela já havia preparado em sua vida. Comida de mineiro: simples, porém bastante apetitosa. Essa era uma refeição que nunca havia levado para o trabalho. Como todos sabiam na empresa, se um dia Elaine não quisesse mais a indústria, facilmente ela poderia abrir um restaurante e todos os colegas se tornariam clientes.

Como de costume, chegou ao trabalho, colocou a marmita no refrigerador e disse a Adriano, um de seus colegas mais próximos:

– Hoje, eu pego…

– Pega o quê?

– Você vai ver…

Na hora do almoço, pela oitava vez, a comida de Elaine havia sumido. Ela saiu para comprar uma marmita em um restaurante perto da fábrica, não disse uma palavra entre 12 e 13 horas. Voltou ao seu posto na hora do trabalho.

Por volta das 14 horas, Adelina, uma funcionária antiga da empresa saiu da produção em direção ao banheiro.

Mais uns 10 minutos e a colega foi novamente ao banheiro. E durante aquela tarde, foram pelo menos 15 vezes que a Adelina precisou visitar o banheiro. Era o plano de Elaine entrando em ação. A colega já estava sem graça, por não conseguir mais trabalhar e foi ao RH pedir para sair mais cedo.

Elaine subiu atrás dela e assumiu a conversa antes de Cristina perguntar o que havia acontecido:

– Desculpe, Cristina, mas estou cansada de ter a minha comida roubada por 8 vezes na empresa e não ter nenhuma providência tomada.

Então usei um tempero especial: meio litro de laxante. Eu sinto muito, infelizmente, “eu peguei!”.

Adelina não sabia onde colocar a cara de tanta vergonha. Tentou se desculpar, mas não conseguiu:

– Eu passo a noite de quinta-feira com insônia e só consigo dormir por volta das 4 horas da manhã e acordo em cima da hora de sair para o trabalho…

– Por quê, Adelina? Tem acontecido algo com você? – Perguntou Cristina.

– Eu não sei… – A resposta não convenceu.

– E isso te dá o direito de roubar a minha comida? – Interpelou Elaine em tom mais alto na sala.

– Por favor, me desculpe. Estou pedindo as minhas contas. Não volto amanhã de tanta vergonha. Pode preparar a minha demissão, Cristina. Com licença, preciso ir ao banheiro!

– E você, Elaine, perdeu a sua promoção. Isso também não te dava o direito de fazer uma brincadeira de mau gosto como essa.

– Sinto muito, Cristina. Não foi uma brincadeira de mau gosto. Fiz e faria novamente. Eu cansei, vejo que posso não servir como gerente, não é verdade? Mas eu pedi várias vezes uma solução da empresa e não tive, então me sinto vingada!

O assunto não saiu daquela sala, mas na semana seguinte, todos descobriram quem usurpava a marmita de Elaine. O caso rodava apenas na “rádio-corredor”. Adelina nunca mais apareceu e os colegas receberam a lição, “brincadeiras de marmita” estavam extintas da empresa e Elaine, infelizmente, jamais conseguiu o tão sonhado cargo na gerência de produção.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.