O quarteto. Por Juliana Fernandes Gontijo.

A Mecânica Irmãos PV era uma oficina de automóveis bastante familiar em Banabuiú, no Ceará. Os irmãos Pedro e Vicente eram os donos. Eduardo, filho de Pedro, também trabalhava com eles. Além de Dudu, os irmãos tinham mais cinco funcionários. Todos eles trabalhavam juntos há mais de 15 anos e, logo, tinham muita cumplicidade entre si. Aurélio, o primeiro funcionário a ser contratado, era o mais sério de todos, mas conseguiu se adequar bem ao ambiente. Com o passar dos anos, ele foi perdendo a timidez.

A oficina estava instalada no lote vizinho à casa de Vicente. E como eram todos muito amigos, a esposa de Vicente, Vilma, é quem lhes fazia o almoço. Os irmãos sócios só descontavam dos empregados apenas R$ 7,00 por dia pela comida. Era só mesmo para as despesas de supermercado e feira. Vilma gostava de cozinhar para aquele povão e não cobrava por isso. Todos os dias, era a mesma rotina, nas primeiras horas da manhã, de longe, a comida de Vilma cheirava muito bem, sempre com uma banha de porco fresquinha.

A oficina era uma das maiores da cidade; o pátio comportava dez carros em área coberta. Tudo muito organizado e limpo. Muitas pessoas da área rural e das cidades vizinhas entregavam seus carros “de olhos fechados” a Pedro e Vicente. Praticamente não havia carro que ficasse mais de uma semana na oficina, mas um Corcel 82 ficou esquecido na Irmãos PV. Um cliente da Paraíba deixou o carro para consertar, pagou antecipado e ficou de pegá-lo uma semana depois, mas nunca mais apareceu. Já fazia cinco meses que o veículo estava lá, ocupando espaço de outros no pátio. Pedro e Vicente pesquisaram o carro no Detran-CE, mas não conseguiram localizar o dono. Procuraram pelo endereço, em vão. Anunciaram na TV e na principal emissora de rádio da cidade, sem sucesso. Apelaram para a internet, sem retorno. Deram queixa na polícia, de nada adiantou. Assim, eles colocaram uma lona para tampar o carro e não deixar estragar a pintura.

Certa vez, em um mês de agosto, choveu dez dias seguidos e, por um problema de alagamento no lote atrás da oficina, a Mecânica permaneceu fechada por três dias. Vicente ia todos os dias no galpão da empresa e dava uma olhada nos carros para ver se estava tudo certo com os carros e se a água havia chegado aos veículos. Felizmente, o galpão ficava um pouco mais alto que o pátio onde os funcionários lavavam os carros ou faziam outros reparos.

Após o retorno de todo o pessoal, Aurélio, quando chegou à empresa, sentiu um cheiro estranho que não era o almoço de Vilma. Aquilo mais parecia uma catinga de carniça. Procuraram durante dois dias e não encontraram o que… poderia ser um rato morto. Havia momentos em que o mal cheiro passava… logo, logo começava outra vez.

Os funcionários não conseguiam encontrar o que tanto fedia na oficina. Assim começou a desconfiança com Dudu. Todos eram muito brincalhões, exceto Aurélio. Era ele quem primeiro desconfiava do filho de Pedro. Os dois patrões também não ficavam para trás. Foram inúmeras vezes que alguns funcionários saíram da oficina, no fim do dia, com saquinhos de pedra dentro das mochilas. Obras dos irmãos.

Uma vez, Vilma foi para a praia no Rio, carregando dois blocos de tijolos de barro de 1 quilo e meio cada um. Quando ela e uma amiga abriram a mala na rodoviária, a fim de pegar um lanche, acharam os tijolos. Após alguns segundos de ódio do marido e do cunhado por carregar “pedra”, Vilma assentou-se na calçada e caiu na gargalhada com a amiga Lúcia.

Já Dudu um dia fez pior: colocou um molho de couve no fundo do porta-malas do carro de seu pai. O veículo ficou três dias na oficina fechada por causa do feriado prolongado de 7 de setembro. Quando todos chegaram na terça-feira, a oficina fedia a podre. Dudu viajou e não voltou naquela terça. O Kadett 98 impecável de seu pai fedeu a couve podre por duas semanas. O jovem tomou um xingo do pai na frente de todos os funcionários. Com isso, ele passou a diminuir as brincadeiras.

O problema do molho de couve fez Ricardo, o mais novo funcionário da oficina, também desconfiar de Eduardo. O filho de Pedro, porém negava veementemente.

Ao fechar a oficina numa sexta-feira, Ricardo teve a impressão de ter visto um vulto que parecia um rato. Como já estava meio escuro, não deu muita importância. Na segunda-feira, Pedro viu uma lata revirada logo cedo ao abrir o galpão e novo mal cheiro quando passou perto do Corcel. Como estava tudo quieto, ele não achou necessário levantar a lona que cobria o veículo.

Mais tarde, Jacinto, um vizinho que morava nos fundos da oficina chegou ao galpão dando falta de seu gambá de estimação.

Vicente retrucou dizendo que e ali não havia gambás, mesmo sentindo aquele cheiro terrível que estava até mesmo espantando alguns clientes. Jacinto ficou a tarde toda infernizando a vida da Irmãos PV até que o gambá fosse encontrado.

Aquela segunda-feira foi literalmente a segunda do prejuízo. O marido de Vilma deixou o problema para Pedro resolver, imaginando que Eduardo assumiria a culpa de ter escondido o animal.

– Damião sumiu, e só pode ter vindo para cá, Pedro. Vocês vão ter que resolver isso.

– Pai, eu não peguei esse gambá, nunca nem vi um bicho desses. – Mas não havia alma viva na oficina que acreditasse em Eduardo.

– Vou fingir que acredito, filho, mas esse gambá tem que aparecer. – Pedro já estava nervoso e nem queria mais papo com os funcionários, tamanha era a raiva de Jacinto.

– E esse Corcel velho aí? Pode ser que esteja dentro dele. – Disse Jacinto, desconfiado.

Os irmãos teimavam que não havia algo ali, mas levantaram a capa. Silêncio. Olharam debaixo do carro e nada! Quando abriram o capô, Aurélio vomitou com o mal cheiro. Deram uma nova batida na tampa e encontraram não um gambá, mas quatro. A mãe e três filhotes. Jacinto tomou um susto. Damião, na verdade, era uma fêmea. Ela estava com os dentes para fora e muito agitada. O odor aumentava mais. Eduardo não conseguiu segurar o riso e até urinou nas calças. Pedro desconfiou do filho mais ainda.

Jacinto e dois funcionários levaram mais de três horas para capturar a família de gambás.

O caso ficou conhecido em toda Banabuiú e a Irmãos PV tomou o apelido de “oficina do gambá”. Curiosamente, o número de clientes dobrou e, um tempo depois, o filho do proprietário do Corcel 82 encontrou o carro por causa daquele caso pitoresco. Seu Fernando, dono do carro, havia tido um AVC e perdera a memória, falecendo alguns dias depois que levou o carro para o conserto. Arthur recebeu o carro de volta, limpo, como se fosse novo, sem “sombra” de catinga de gambá… Ele ficou muito agradecido pela empresa ter cuidado do carro durante tanto tempo, mesmo o Corcel tendo se tornado uma “hospedaria de gambá”…

Nunca se soube se foi Dudu mesmo quem pegou o gambá e colocou dentro do carro, mas a vida da Irmãos PV mudou por completo e o mascote da empresa passou a ser Damiana, como Jacinto resolveu chamá-la. Quem entra na Irmãos PV até hoje e chega no fundo do galpão, “de cara” vê um enorme banner com Damiana e seus 3 filhotinhos.

Imagem: Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.