O OUTRO LADO DAS MARCAS - Observar o consumo na praia para pensar em soluções contra o lixo.

Pela terceira vez repito a mesma fotografia e fiquei receosa disso, pois podia parecer à primeira vista, que estou tratando do mesmo assunto. Tenho observado que são tantas as imagens que recebemos diariamente que as pessoas deletam rapidamente as que já viram por representarem ‘notícia velha’ (infelizmente eu me incluo neste grupo). Por isso, tenho tido o cuidado de puxar setas para evidenciar o que eu estou querendo mostrar. Isso me fez lembrar uma frase de Caleb Gatteno (1969) que li no livro de Donis A. Dondis (1997, p. 6), ‘Com a visão, o infinito nos é dado de uma só vez; a riqueza é sua descrição’. Para a autora, esta citação contextualiza o conteúdo do seu livro que é sobre Linguagem Visual. Para mim, esta frase me vem à cabeça toda vez que vejo uma foto.

Assim, convido você a apreciar, mais uma vez, esta foto de um dia ensolarado no Rio de Janeiro. Podemos ver, com pesar (pelo menos para mim), um monte de lixo nas areias de Copacabana. Porém, se olharmos com olhos de ver, percebemos que cada item nos conta uma história, reflete o hábito do povo e também o que é produzido. Tudo é ‘de plástico’ e quase todos são impressos, tendo a marca em evidência. Afinal, as pessoas não bebem água, bebem uma Santa Fé ou uma Crystal. Para as empresas, seria bom se as marcas só estivessem evidentes na propaganda e sumissem quando seus produtos se tornassem lixo. Mas isto não acontece. E nós, designers, precisamos estar cientes disso ao projetarmos nossos produtos, mesmo que hoje essa direção ainda seja inócua na maioria dos casos, uma vez que quase tudo é ‘de plástico’.

Observamos nesta foto, ainda, que todos os itens são de coisas para ingerir. Há duas garrafas d’água de marcas diferentes, um copo de uma bebida esportiva isotônica (que repõe os líquidos e sais minerais perdidos com o suor), uma bala e um sundae (duas coisas bem doces que são ligadas ao lazer).

No último post, analisei três marcas: Arcor, Copacabana Palace e McDonald’s. Desta vez analisaremos mais três – Crystal, Santa Fé e Gatorade –, a fim de saber se estas empresas assumem, de alguma forma, suas responsabilidades ambientais pelo lixo que é fruto de sua produção.

A primeira a ser analisada é a Crystal, água mineral. Na busca, achei outra marca com nome similar, mas era Cristal com ‘i’, da fonte Santa Bárbara de São Paulo (http://www.aguamineralcristal.com.br/). Como na foto não dava para ver se era com ‘i’ ou ‘y’, fui pesquisar comparando a tipografia dos logotipos e cheguei à conclusão de que era a Crystal, um produto da Coca-Cola que há tempos vem diversificando sua linha. No site, a Coca-Cola explica que possui onze fontes de água mineral diferentes e coloca esta informação no rótulo. No mesmo site foi possível baixar também o Relatório de Sustentabilidade da empresa e nele está escrito que, em janeiro de 2018, a Coca-Cola assumiu globalmente o compromisso chamado ‘Um Mundo Sem Resíduos’ (WWW, ou World Without Waste), para ajudar a coletar e reciclar o equivalente em peso a tudo que vende até 2030. A empresa segue três passos para este fim: a reciclabilidade, a retornabilidade e a reciclagem. Neste último atua em parceria com a Cervejaria Ambev.

Na foto há também um fragmento de um copo com um G – que me levou ao Gatorade, um produto da Cervejaria Ambev. Na busca por Gatorade, cheguei a um endereço (http://www.gatorade.com.br) que me levava a saber as informações sobre os sabores do produto e nada além. Aliás, graficamente muito interessante, bem colorido, com navegação horizontal, em vez da tradicional rolagem (vale a pena conferir). Então, a Cervejaria Ambev (https://www.ambev.com.br/marcas/isotonicos/gatorade/) que, além de fazer quase todas as cervejas aqui bem conhecidas (como a Brahma, Antarctica, Skol, Stella Artois e Serra Malte), produz também outras bebidas, tais como sucos, refrigerantes e energéticos. Tive dúvida se os endereços pesquisados eram da mesma empresa porque o visual de ambos era bem diferente. Porém, há um link no site da Ambev que nos leva ao primeiro endereço pesquisado. E, foi assim que pude comprovar a relação entre ambos. No site da Ambev, assim como no da Coca-Cola, há um link dedicado à sustentabilidade que dá acesso ao Relatório de Sustentabilidade da empresa que, em 2018, começou um novo ciclo de metas de sustentabilidade, divididas em cinco pilares: Água, Agricultura, Mudança climática, Embalagens e Empreendedorismo. A empresa pretende – até 2025 – usar embalagens retornáveis (ou majoritariamente feitas de material reciclado) em 100% dos seus produtos. Como já dito, eles também explicam a parceria com a Coca-Cola para o desenvolvimento de cooperativas para catar lixo.

Ao analisar a terceira marca de hoje, a Santa Fé, também encontrei duas empresas com o mesmo nome, a da fonte de Novo Horizonte (https://www.aguamineralsantafe.com.br), em Minas Gerais, e outra daqui do Rio de Janeiro (https://santafeaguamineral.wordpress.com/). A da foto é a segunda, cuja fonte fica numa propriedade certificada como orgânica pela Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO), que garantiu que a água não está contaminada por agentes químicos como pesticidas e herbicidas. O site da empresa é bem simples, com poucas informações – o que reflete ser uma empresa bem menor do que as gigantes Ambev e Coca-Cola. No site, curiosamente, há uma foto de uma garrafa de 510 ml de água cheia, estupidamente gelada, na areia da praia. Isso mostra que a praia é um importante local que a empresa atua.

Assim como as demais empresas analisadas, seria interessante estas investirem em produtos para estimular a coleta de seu lixo na praia, como a criação de cestos de lixo personalizados com suas marcas para serem colocados nas barracas que vendem seus produtos. Seria um custo pequeno frente ao benefício que faria de evitar de pisarmos em tampas e em garrafas vazias.

Como designer e professora, fico pensando em várias propostas de projetos para solucionar o atual problema, como a criação de vassouras para catar guimbas (uma espécie de ancinho); de cestas de lixo para serem acopladas nas barracas de praia, entre outras. Já tive projetos interessantes de alunos que desenvolveram, por exemplo, bolsas de praia com compartimento para lixo. Além das soluções de produtos, também é possível pensar em soluções de serviços. Há muito por fazer!

Minha esperança ao lançar propostas como essas é, acima de qualquer coisa, de sensibilizar mais pessoas para incluírem, em seus projetos, soluções para a melhoria da vida em sociedade, refletindo sobre as consequências do que produzem. Então, se você conhecer algum caso interessante, peço que compartilhe comigo. E prometo que da próxima vez tiro uma foto nova para ilustrar nossa conversa.

Gisela Monteiro é mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Design da ESDI/UERJ, na linha de pesquisa ‘História do Design Brasileiro’. É também graduada pela mesma instituição com habilitação em ‘Projeto de Produto e Programação Visual’. Possui formação técnica em Design Gráfico pelo Senai Artes Gráficas do Rio de Janeiro e experiência na prática do Design, tendo sido responsável por diversos projetos para empresas. Atua como docente em diversas instituições do Rio de Janeiro.