O OUTRO LADO DAS MARCAS - Desenho técnico como ferramenta de comunicação das empresas.

Em tempos de quarentena, até minha aula de ginástica está sendo dada online. Graças a ela, tive inspiração para o artigo deste mês. Isso porque, na semana passada, o professor estava tentando me explicar um exercício e usou uma série de palavras como ‘paralela’, ‘perpendicular’, além da menção de ‘ângulos’. E todas foram muito eficientes para que eu pudesse compreender o que ele estava tentando, a distância, me dizer. Percebi que ele estava desenhando o movimento usando como recurso a geometria plana.

Na minha área, que é o Design, considero que tal conhecimento seja extremamente importante, principalmente para a prática profissional. Os pacotes de software gráfico, por exemplo, oferecem ferramentas para a criação de figuras geométricas básicas como círculos, quadrados, polígonos côncavos e convexos. A partir delas podemos criar qualquer outra forma. E é assim que começamos os desenhos, inclusive os de moda.

Em primeiro lugar, um bom desenho técnico de moda precisa ser proporcional ao que será produzido. Isto é, se é uma roupa para criança, desenhe sobre a base de uma criança. Somado a isso, o desenho precisa ser elaborado sobre uma estrutura bem feita, pois esta norteará as posições das costuras, dos acabamentos, e poderá ser compreendido pelos profissionais responsáveis pela produção. Um desenho técnico não pode dar margem à dúvida, pois poderá ser interpretado de forma diferente da idealizada. Em uma das visitas que fiz na pesquisa de campo, uma modelista me mostrou um desenho e perguntou: – Professora, olhe este desenho. Fiz a modelagem pelo que eu entendi, mas disseram que não ficou correto e ainda fui repreendida por errar!. Observei, então, o desenho e percebi que estava longe de ser um desenho técnico. Na verdade, era o desenho de uma boneca mal feita com um traço na perna indicando a altura da calça. Queixas como essa se repetiram e percebi que este era um dos gargalos de muitas empresas, o que na verdade é um problema de comunicação, que gera perda de tempo e dinheiro. Algumas empresas, inclusive, preferem abolir o desenho técnico na etapa de criação (em vez de aprimorá-lo) e investir em uma boa peça piloto pautada em descrições orais e em um simples croquis.

No entanto, o desenho técnico é um recurso importante não só na criação, mas também na etapa final de conferência. As empresas que prezam pelo controle de qualidade os utilizam para a conferência das peças antes de liberá-las para a comercialização.

No doutorado, estava investigando sobre a relevância de guardar elementos da criação como acervo das empresas e percebi que o desenho técnico seria um item importante a ser preservado. Porém, um desenho mal feito – como o citado acima –, não seria relevante como fonte de informação técnica e tampouco como memória das características da peça criada. Então, reservei uma parte da minha tese para investigar sobre a qualidade de um bom desenho técnico de moda.

Vale a pena dizer que não há como adotar as normas técnicas sobre desenho técnico, pois são muitas especificidades, a começar pelo significado da linha tracejada que no desenho técnico de moda representa a costura e não um contorno ou uma aresta não visível. A complexidade do assunto não para por aí. Um produto de moda é confeccionado ‘em grade’, isto é, por numeração que indica o tamanho da peça: 38, 40, 42, 44… Você já deve ter reparado que estas medidas não são universais, pois variam de acordo com cada marca, de acordo com o público que ela atende. Quem já comprou roupas da China teve o desgosto de perceber que as peças são todas menores do que as do Brasil, pois são feitas para os chineses. O que interessa dizer é que um designer deve informar a numeração em que seu desenho foi realizado e se pautar na tabela de medidas usada pela empresa para realizá-lo.

Sendo assim, considero que será bem-vinda a elaboração de uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelecendo os critérios para a construção de bons desenhos técnico de moda. Talvez esta ainda não tenha sido lançada porque há uma série de possibilidades de desenhar as peças e a dificuldade está em mapeá-las. Por exemplo, a vista frontal de uma camisa pode ser representada como se a peça estivesse vestida no corpo, para mostrar o caimento, ou chapada – como fica quando é passada a ferro –, sendo possível evidenciar detalhes técnicos de modelagem. Em suma, qualquer desenho técnico será criado para atender à sua intenção primeira que é a comunicação e por isso o considero tão importante.

Obs.: A imagem que ilustra esta matéria é uma da montagem de desenhos técnicos vetoriais de Dreamstime e Shutterstock. As camisas foram escolhidas para ilustrar as formas de representação acima citadas.

Gisela Pinheiro Monteiro é mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Design da ESDI/UERJ, na linha de pesquisa ‘História do Design Brasileiro’. É também graduada pela mesma instituição com habilitação em ‘Projeto de Produto e Programação Visual’. Possui formação técnica em Design Gráfico pelo Senai Artes Gráficas do Rio de Janeiro e experiência na prática do Design, tendo sido responsável por diversos projetos para empresas. Atua como docente em diversas instituições do Rio de Janeiro.