O garoto da janela. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Quando a secretária, Catarina, saía para o trabalho por volta das 7 da manhã, era a mesma rotina de sempre. Depois que ela fechava o portão de casa, voltava alguns metros na rua e virava à esquerda; descia esta rua e atravessava a próxima esquina para chegar ao ponto de ônibus. Do outro lado da calçada, na rua bastante deserta, havia uma casa verde com uma janela branca e uma porta de madeira.

A casa tinha um jardim muito colorido. Na janela, de segunda à sexta, a moça via um garotinho que parecia ter entre 6 e 8 anos. Catarina não sabia ao certo a idade dele, porque nem conhecia os pais do menino.

Por muitas vezes, ela tentou cumprimentá-lo, mas ele jamais respondeu um só “olá”. Quase todos os dias, ele usava a mesma blusa preta de manga comprida e brincava com um trenzinho preto de dois vagões.

A secretária não entendia porque aquele garoto não lhe respondia, não manifestava alegria ou tristeza quando ela dizia alguma palavra. Era muito estranho, mas como fazer algo por aquela criança? No entanto, Catarina não perdia as esperanças de que um dia ele iria lhe corresponder ao menos um aceno.

Numa quinta-feira do mês de setembro, ela ficou mais tempo no ponto, porque os motoristas estavam em greve e mantinham apenas poucas viagens por dia. A moça permaneceu ali observando o garoto, tentava puxar papo com ele, mas sem sucesso. Ele continuava lá, quase estático, brincando com seu trenzinho. Vez por outra, fazia um barulho parecido com “chiuí…” bem baixinho, quase não dava para escutar.

Depois de uma hora que o menino estava na janela, apareceu uma senhora que a secretária julgava ser a mãe dele. Ela falou algo no ouvido do garotinho e, carinhosamente, tirou o garoto de lá, fechando imediatamente a janela.

“O que tem esse menino? Por que ele não me responde? Será que ele sofre algum tipo de abuso? Mas aquela senhora é carinhosa com ele…”.

Catarina pegou o ônibus, foi para o trabalho perdida nos seus pensamentos e imaginando como seria a vida daquela criança “presa” na janela branca da casa verde.

No dia seguinte, o menino estava lá novamente, mas brincando com um cachorrinho pequeno parecido com um poodle. A moça acenou, mas, como de como de costume, não teve retorno.

“Um dia, este menino vai me cumprimentar! E vou fazer amizade com ele” – pensava ela: “Vou dar a ele o nome de Pedro. Sim, ele será o meu Pedrinho. Para mim, ele tem 7 anos e faz aniversário no dia 25 de abril”. Ela sentia uma ligação estranha, mas de muito amor com aquele menino. Também não conseguia entender de onde vinha aquele sentimento.

O ônibus chegou e Catarina foi trabalhar.

A mulher ia e voltava do trabalho com aquela ideia fixa na cabeça. Queria saber mais da vida da sua “personagem”. Pensava em tocar a campainha, mas algo dizia a ela que não deveria fazer isso. “E qual seria o motivo para ‘chamar’ na casa de Pedrinho?” – Não havia um motivo aparente. – “Os pais poderiam pensar que fosse uma invasão de privacidade… E daí?” – Como estava chegando o mês de outubro, ela teve a ideia de comprar um caminhão de madeira bem colorido e dar presente ao “amiguinho” da casa verde.

No dia 12 de outubro, levantou da cama mais tarde, decidida a entregar o presente ao Pedrinho. Vestiu-se como uma boneca, colocando um vestido bem colorido e foi até a casa do garoto. E levou também uma cartinha, caso ele não atendesse à porta.

Tocou a campainha duas vezes, mas estava tudo fechado. Então, escalou o muro e deixou a carta com o presente dentro de uma sacola pendurada por dentro:

Pedrinho, eu sou a moça do ponto do ônibus que, todos os dias, fala “Oi” com você. Como não sei o seu nome, prefiro te chamar de Pedrinho. Esse seria o nome do meu filho, mas, infelizmente, ele não chegou a nascer… Bem, vamos falar de coisa boa, não é verdade? Este é meu presente de Dia das Crianças para você. Receba com todo meu carinho. Espero muito que um dia possamos conversar e brincar um pouquinho. Ass. Catarina.

Alguns dias se passaram e a casa continuava fechada. O jardim ainda estava florido, mas a casa verde parecia triste. As manhãs da secretária também iam perdendo a graça. No entanto, ela tentava ser forte.

“O que pode ter acontecido com o Pedrinho? Por que a casa está fechada? Será que alguém morreu? Não! Não pode ser…”. Os vizinhos da rua não davam notícias daquela estranha família. Mais dias se passavam e a casa permanecia fechada.

Ao fim do expediente, depois de algumas semanas, Catarina resolveu passar por aquela rua ao chegar do trabalho. Não era o seu itinerário de volta. Viu uma movimentação de mudança na casa verde.

Parou em frente ao caminhão e perguntou ao motorista:

– Só de curiosidade, a família que morava aqui se mudou? Todos os dias, eu ficava ali no ponto do ônibus e tentava cumprimentar um menininho que brincava na janela, mas ele nunca me respondia… Ele não mora mais aqui?

– Ah… então você é a Catarina? – Perguntou o motorista.

– Sim! Quer que eu mostre meu R. G.?

– Não, moça! Não é preciso. Eu acredito em você. Olívia, mãe do Ricardinho, deixou-lhe esta carta. Há vários dias, eu passava aqui procurando pelo seu nome, mas ninguém sabia me dizer onde você morava. Graças a Deus te encontrei. Parece destino, não é verdade? Bem, vou terminar o meu trabalho, porque os novos moradores chegarão aqui amanhã cedo.

A secretária não se conteve de emoção e disse:

– Então o nome dele é Ricardo? Eu o apelidei de Pedrinho… Muito obrigada, moço. Pode ter certeza de que vou ler e guardar com muito carinho esta lembrança.

Catarina foi para casa ansiosa, a fim de ler o conteúdo da carta. Ao abrir o envelope, um agradável cheiro de rosas encheu sua casa de perfume:

Querida moça do ponto de ônibus,
Meu nome é Olívia, sou mãe do Ricardo e ele tem 8 anos. Quem escreve esta carta “ditada” é Ana Maria, nossa secretária que nos trata com muito amor e carinho, seguindo comigo desde que eu tinha 15 anos, porque eu sou cega. Sou aposentada por invalidez do Ministério Público Federal.
Bem, meu querido filho tem um grave problema de saúde desde o nascimento. Ele também é cego e tem apenas 10% de audição nos dois ouvidos, além de ter muita dificuldade na fala. Ainda não sabemos se o problema de visão é hereditário. O pai de Ricardinho me abandonou quando eu ainda estava grávida e, até então, nunca mais o vi. Eu achava que ele era o amor da minha vida. Um dia, fiquei sabendo pela TV que ele se casou com uma famosa empresária somente pelo dinheiro dela.
Bem, na verdade, precisamos nos mudar de casa, porque, aí nesta cidade, os recursos de tratamento são bem escassos. E eu consegui uma esperança de tratamento aqui em São Paulo, o que pode melhorar a minha qualidade de vida e a de meu filho, o meu diamante. Que Jeová nos ajude!
O senhor que te entregou a carta é meu tio, Cristóvão. Eu coloquei a casa para alugar, assim recebo um dinheiro a mais para as nossas despesas em nosso novo lar.
Ah… não posso deixar de te agradecer o caminhão de madeira que você deu ao meu filho, ele ficou muito feliz com o presente. Talvez você achasse muito estranho porque ele nunca respondia da janela aos seus acenos do ponto do ônibus… Era simplesmente por isso. Como eu também não enxergo, eu jamais iria saber da sua existência. Você me perdoa?
Posso te chamar de amiga? Do fundo do meu coração, eu e Ricardinho agradecemos o seu carinho por ele. De alguma forma, sinto que ele é feliz por você estar na vida dele, ou melhor, na nossa vida. Então fica o meu convite: se um dia vier a São Paulo, venha nos visitar. Será um enorme prazer recebê-la aqui em casa. Nosso novo endereço é o do envelope. Que Jeová esteja sempre com você!
Um abraço carinhoso meu, de Ricardinho e de Ana Maria.

Catarina caiu em choro por vários minutos ao terminar de ler a carta. Jamais imaginara situação semelhante para uma criança tão pequena. Por outro lado, estava feliz porque, agora, de fato, ela poderia ser amiga de Ricardinho e teria notícias dele sempre que quisesse. E assim fez, todos os meses enviava uma cartinha para filho e mãe, a fim de que eles mantivessem contato. E Ana Maria sempre enviava um bilhete de volta pelo correio. Em uma das correspondências, a secretária escreveu assim:

Oi, Ricardinho. Tudo bem?
Eu já cheguei aqui em São Paulo, porque estou de férias. Estou em um hotel perto da sua casa. Amanhã, eu vou te ver! Peça a Ana Maria para te colocar na janela que eu estarei lá no jardim te esperando! Um beijo da sua amiga Catarina.

Imagem: Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.