O espetáculo da própria imagem. Por Cristina Mesquita.

Vivemos tempos em que tudo precisa ser visto para ser validado. Tempos em que a vida real parece não bastar se não for acompanhada de um bom enquadramento, uma legenda tocante e, de preferência, algum potencial para viralizar. A realidade, como ela é, tem perdido espaço para aquilo que se adapta melhor ao formato da cena. E assim, pouco a pouco, a existência vai sendo reeditada para se encaixar nas molduras do feed.

Nos últimos dias, dois episódios tomaram conta das redes sociais e nos mostraram, mais uma vez, o quanto a superficialidade da era do espetáculo dita o modo como nos relacionamos com a dor do outro. A separação de Virginia Fonseca e Zé Felipe – casal que, mais do que compartilhar sua vida, construiu uma marca em torno dela – rapidamente virou manchete, dancinha remixada, meme, motivo de piada e de análise pública. Em minutos, milhões de pessoas que jamais sentaram à mesa com os dois já tinham suas opiniões formadas. O mesmo aconteceu com o pedido de guarda do filho de Marília Mendonça, feito por Murilo Huff. Um assunto delicado, íntimo, profundamente humano, foi engolido pela pressa da internet. Não houve espaço para contexto, para escuta, para ponderação. Só para os julgamentos rápidos, os lados escolhidos, os comentários impulsivos.

Essa é a dinâmica que se repete. Casos reais, com emoções reais, atravessados por gente de carne e osso, transformados em capítulos de novela interativa. E o público, cada vez mais, assume o papel de plateia, juiz e até roteirista. Não basta acompanhar, é preciso interpretar, opinar, cobrar, exigir explicações, escolher heróis e vilões. A vida virou série. E série boa, dizem, precisa de conflito.

É claro que essas histórias chegam até nós porque os próprios protagonistas compartilham muito de suas vidas. Mas o ponto é outro. A questão é o que estamos fazendo com o que nos é dado. Como consumimos e reagimos a esse conteúdo. Como esquecemos com facilidade que existe uma linha tênue entre o que é público e o que continua sendo profundamente humano.

Essa lógica do espetáculo não está só nas redes sociais. Está na forma como organizamos festas, casamentos, discursos, eventos oficiais e pessoais. Está em como nos vestimos para aparecer, como encenamos emoções, como cuidamos da imagem mais do que da vivência. Há um descompasso crescente entre o que sentimos e o que publicamos. Entre o que é vivido e o que é compartilhado. O momento já não precisa mais ser significativo – basta ser esteticamente interessante.

É um ciclo perigoso. Porque, no meio dele, a dor perde profundidade. O luto vira anúncio. A maternidade vira ensaio. A separação exige vídeo com trilha sonora. Tudo precisa de contexto digital. Tudo precisa ser compreendido em tempo de feed.

Às vezes me pergunto se ainda sabemos viver sem registrar. Se conseguimos sentir algo sem pensar imediatamente em como isso será visto. Se a empatia ainda sobrevive num ambiente em que tudo pode virar entretenimento.

Nem tudo precisa ser “conteúdo”. Nem todo sofrimento deve ser explicado. Nem toda história é nossa para julgar. Mas para reconhecer isso, é preciso sair um pouco da cena e voltar a ser espectador da vida real. A que pulsa fora das telas. A que não depende de curtidas para ter valor. A que acontece mesmo quando ninguém está olhando.

Talvez ainda seja tempo de reaprender a ver. A escutar sem opinar, a respeitar sem invadir, a sentir sem publicar. Porque mesmo em uma era de espetáculo, ainda existem silêncios que merecem ser preservados. E há verdades que, por não caberem nas molduras, continuam sendo as mais importantes.

Cristina Mesquita é jornalista, cerimonialista e graduada em Direito. Diretora de Comunicação da Associação Brasileira de Profissionais de Cerimonial (ABPC), é coautora do livro ‘Comunicação & Eventos’ e especialista em organização de eventos. Possui MBA em Gestão de Eventos pela ECA-USP.