O drama de Fernanda. Por Juliana Fernandes Gontijo.

– Não acredito! A Katarina não está aqui! – Gritou Fernanda desesperada dentro da van.

Eduardo freou bruscamente o veículo. Por pouco, o carro que estava atrás batia na turma. Pããã!!! – Ouve-se a buzina de um carro ultrapassando a van:

– Quer morrer, cara, ou quer me matar? Irresponsável!!!

– Como você me faz uma dessas, Nanda? Como Katarina não está aí? Já olhou debaixo dos bancos? Vou parar esta van em qualquer canto. Olha o risco que estamos correndo. Você ainda me mata do coração. Conferimos todos antes de sair da reserva! – Disse Eduardo preocupado não só com os animais.

– Ah… não! Meu Deus! Joaquim também sumiu! Não é possível! – Observou Ricardo.

O motorista encostou a van perto do mato rasteiro da estrada. Precisamos fazer a chamada.

– Julião, OK! Carminha, está aqui! Idelfonso, também! – Denguinho, escondido num canto da caixa. Teobaldo, enroscado nele. Damiana, bem quietinha. Cajuru, na parede. Ricardo, estão faltando mesmo Katarina e Joaquim. – Disse Fernanda desolada no meio de um soluço.

– Você tem certeza de que fechou esta caixa direitinho? – Precisamos “dar conta” dessas serpentes.

– E se esses animais picam a gente aqui dentro? – Desesperou Ricardo. – Não podemos seguir viagem enquanto não os encontrarmos.

– Vocês estão de luvas e botas? Agora ferrou tudo! São todas filhotes de “cobra imperador”! Vocês se esqueceram disso? Como vamos apresentar os animais ao laboratório? Nanda, elas estavam sobre sua responsabilidade! Ricardo, com as tartarugas… As cinco estão na caixa?

– Sim, Eduardo. E o contrato dizia que em caso de perda de algum exemplar, uma multa pesada de 50 mil reais por suposto tráfico de animais.

– Santo Deus! Nenhum de nós tem esse dinheiro! – Chorou Fernanda. – Mas e o seguro?

– Você tem seguro? Não temos seguro, mulher! – Gritaram juntos os dois rapazes.

– Liga a lanterna do celular e vasculha cada canto dessa van, Nanda. Essas cobras têm que estar aqui. Se você disse que fechou a caixa, as nove deveriam estar aí dentro. Não abrimos a van desde que saímos da reserva “Anta Branca”…

– Eu fechei sim, Eduardo. Tenho certeza.

– Mas quando a gente saiu já estava meio escuro… Vamos olhar dentro das malas. – Argumentou Ricardo.

– Como assim, olhar as malas?! Eu fechei a caixa e pronto. Não acredita em mim?

– Tanto fechou que eles fugiram. Como? Desmaterializaram? É isso? – Respondeu o colega.

– Abre tudo e passe fita na tampa dessa caixa. – Ordenou Eduardo. – Elas não sairiam pelos orifícios de ar, eles têm telas.

– As tartarugas estão bem guardadas? – Interpelou Ricardo.

Os três passaram toda a madrugada vasculhando o veículo, mexeram em todo o motor, olharam debaixo da van, entre as rodas… Nada!

Praticamente desmontaram o painel. Sem chance! Estavam exaustos.

– Vamos ter que chamar o reforço da equipe, mas já sabemos que vamos tomar uma baita ferrada além de virarmos notícia na parte de crime ambiental… Que absurdo! “Veterinários, traficantes de ‘serpente imperador’, são presos no beira da estrada”. Somos três profissionais incompetentes, isso sim… – Falou Eduardo, mordendo os lábios de tanta raiva.

– Achei! – Gritou Nanda. – Pela mancha na cabeça é Joaquim… Dentro da caixa de ferramentas e trancada com cadeado! Como pode…

Não! Não! Não! Ele está morto, meu Deus. Além de tráfico de animais ainda seremos enquadrados por maus tratos. Que vergonha! Gente, eu juro, tentei cuidar ao máximo… O meu diploma vai para as cucuias…

– Pega, pega, Eduardo! Katarina está saindo da van. Corre, corre… Joaquim já entrou em óbito, não há mais o que fazer… Não vai dar tempo, não pode mais haver atraso para chegarmos ao laboratório… – Esbravejou Ricardo.

Chega a Polícia Ambiental:

– Fiquem onde estão! – Chamando todos os carros! Chamando todos os carros! – Vocês três estão presos por tráfico de animais. Terão direito a um advogado e o crime é inafiançável. Mãos para cima! Encostem no carro! Deixem os animais por nossa conta!

– Não senhor… Não foi culpa…

– Filha, levanta… Vai chegar atrasada no seu primeiro dia de estágio na reserva. Levanta logo!

– Não, senhor! Não foi culpa minha! Eu fechei a caixa… Mas infelizmente o Joaquim morreu dentro da caixa de ferramentas que estava trancada com cadeado! Katarina atravessou o asfalto e…

– Oi? Quem são Katarina e Joaquim? Ah… os colegas da faculdade que estão lá fora te esperando. Pelo visto é um rapaz bem paciente e muito educado… A outra deve ser Katarina. Eu já teria me mandado a ter que te esperar por mais de 1 hora. Você não tem compromisso com a escola hoje? Pelo visto, tem estudando demais, filha…

– Mãããeee! Valeu por me acordar. Eu já não sabia mais o que fazer. Quase me borrei toda. Duas cobras sumiram na nossa expedição e a Polícia Ambiental chegou e me prendeu… Depois te conto esse sonho maluco! Afinal hoje é meu primeiro dia de estágio na maior reserva ambiental de serpentes do nosso país. Fui!

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.