O caso das “toalhas” verdes. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Damião, Camilo e José eram três irmãos de 16, 14 e 13 anos, respectivamente. Eles moravam numa fazenda na região do Alto Paraíba, Minas Gerais. Desde muito pequenos já trabalhavam na lida da roça, uma vez que os pais eram produtores de cenouras. Esse era o sustento de toda a família de seu Sinval e dona Margarida.

Os meninos eram conhecidos por toda a região como “os três mosqueteiros”. Gostavam de “brincar” com a mesma fala dos personagens de Alexandre Dumas:

– “Um por todos, todos por um”. – De tanto usar essa frase, o delegado da cidade apelidou os meninos como “três mosqueteiros”.

O passatempo preferido deles era nadar em um ribeirão aos fundos da fazenda onde moravam. Todas as tardes iam para lá. Deram o nome ao local de “ribeirão dos Pereira”. Era esse o sobrenome dos meninos. Os vizinhos da região sabiam que ali ninguém “punha o pé” ou teria problemas com a molecada. Mas, vez por outra, havia gente que nadava lá às escondidas durante a madrugada.

No fim de setembro daquele ano de 1965, a família Siqueira de Campos chegou à região. Eram pai (seu Chico), a mãe (dona Joana) e dois filhos. Os gêmeos Renato e Josué tinham 14 anos e não eram “flor que se cheire”, mas como não conheciam a molecada da redondeza permaneciam quietos no canto deles.

Ainda sem saber que no ribeirão dos Pereira “ninguém” punha o pé na água pelo menos durante o dia, resolveram nadar no fim de uma tarde de sábado. Prepararam uns pães com manteiga e café, colocaram numa capanga e se mandaram para o ribeirão.

Damião ficou sabendo da “invasão” e chamou os irmãos.

– Os Siqueira estão lá no rio… Vamos ver no que vai dar. Parece que levaram até café com pão…

Deram um tempo até Renato e Josué pularem no rio. Os “três mosqueteiros” acharam estranho os Siqueira de Campos nadarem totalmente sem roupa. “Por que nem usavam calções?”. Depois do “tchibum” no ribeirão, os três resolveram entrar em ação.

– Vieram nadar no nosso rio, vão ficar sem comida! – Disse Camilo, roendo as unhas de raiva. Esperaram a dupla Siqueira “sumir” nas águas e foram lá saborear o pão com manteiga e o café quentinho da Dona Joana.

Os Siqueira deixaram a capanga e as roupas embaixo de uma árvore. De onde eles estavam não dava para avistar seus pertences. Era o “prato cheio” para “os mosqueteiros” agirem.

Tomaram todo o café e comeram os pães “dormidos”. Camilo encheu o bule com água barrenta para deixar de “presente” aos gêmeos. Damião não concordou:

– Faz isso não, Camilo. A gente já comeu… Barro passa da conta, né? Deixe os Siqueira em paz. Vamos dar no pé. E assim fizeram.

Umas duas horas depois que Renato e Josué estavam nadando, resolveram pular fora d’água e “forrar o estômago”, mas a capanga estava vazia. E as roupas? Onde elas estavam? Quando pularam no rio deixaram tudo ali…

A estas alturas, os três mosqueteiros já haviam escondido cada um num canto do mato. E as camisas e as calças?

Muito cansados, os novatos chegaram em casa quase de madrugada, enrolados em folhas de bananeiras que encontraram pelo caminho. Eles tiveram muito trabalho para arranjarem um pedaço de cipó e amarrar na cintura. A sorte deles é que não passaram no centro da cidade, mas precisaram andar alguns quilômetros na estrada vestidos com as roupas “verdinhas naturais”. E para explicar em casa o que aconteceu?

Foi um rebuliço na cidade.

No outro dia, pela manhã, voltaram ao mato perto do ribeirão. Encontraram as roupas cada uma em uma árvore diferente. Estavam penduradas naqueles pés de bilosca, numa altura de uns 5 metros. Ficaram indignados, pensando em quem pudesse tê-los feito passar tamanha vergonha na cidade. Ainda não eram 10 da manhã e a fofoca já “corria solta”. Os filhos da dona Joana e do seu Chico haviam perdido as roupas no ribeirão dos Pereira.

Tião, dono da venda, gritou:

– Isso foi obra dos três mosqueteiros!

Pedro, da barbearia, completou:

– Foram nadar no ribeirão dos Pereira sem pedir licença, deu no que deu. Olhem lá que vão perder as calças de novo. Eita lasqueira!

Os três mosqueteiros jamais admitiram ter escondido as calças dos Siqueira de Campos, mas a cidade inteira sabia da verdade. Traquinagem como aquela só podia ser obra de Camilo, Damião e José. Uma rixa entre as duas famílias foi criada ali por causa das “toalhas de folha de bananeira”.

Algum tempo depois, quando a cidade toda já havia se esquecido daquele episódio com os Siqueira de Campos, o inesperado aconteceu na cidade.

Sinval e Margarida perderam a vida quando a pequena canoa do casal virou no ribeirão há alguns quilômetros da fazenda. Os dois, que não sabiam nadar, morreram afogados. Os três mosqueteiros ficaram órfãos, mas se sentiram imaturos para tomarem “as rédeas” da fazenda. Como deixar a produção dos pais ir “por água abaixo”?

Depois de muito discutirem, os Pereira resolveram deixar a rivalidade de lado e se unir aos filhos de seu Chico e dona Joana. Juntaram as propriedades, com ajuda do delegado da cidade, e as duas famílias se tornaram sócias na produção de cenouras. Uns 15 anos após a morte dos pais dos três mosqueteiros, os Pereira e Siqueira de Campos tornaram-se os maiores produtores de cenouras do país e já faziam até exportação para fora do Brasil.

Observação: Esta é uma história fictícia. Qualquer semelhança é mera coincidência.

Imagem: Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.