NOVA COLUNISTA: Bruna Cataldo - Plano Real e Lei Rouanet: ligados pelo papel da comunicação na Economia.

Como esse é o nosso primeiro contato, acho válido começar com apresentações: sou economista, sempre quis ser, e minha preocupação com questões sociais me levou ao estudo de políticas públicas na área. Na coluna, tratarei de temas econômicos diversos, mas resolvi começar com o papel da Comunicação na Economia pela visão de uma economista. Não é incomum que profissionais da Comunicação saibam dessa centralidade, mas pouco vi meus colegas de profissão reconhecerem o fato. Acredito estar na hora de preencher esse vazio.

O economista

No primeiro semestre da faculdade aprendemos que nosso objetivo é alocar recursos escassos da melhor forma possível. Aprendemos todo um instrumental histórico, político, estatístico e econômico que deve capacitar-nos a tomar decisões visando o objetivo de alocação e a reconhecer que as escolhas sempre estarão sujeitas a um conceito prévio de justiça social, do que se entende por ‘melhor forma possível’. A Economia é ensinada enquanto uma ciência bastante técnica ainda que seja social e pode-se dizer que somos responsáveis pelo backstage: providenciamos evidências e justificativas para construção de planos e tomadas de decisão. Nem sempre tais habilidades técnicas são acompanhadas da capacidade de comunicar os planos desenhados e – mais grave – de reconhecer que esta é uma tarefa importante.

Dentre diversas habilidades, uma fraqueza da categoria?

Marina Della Giusta, professora da London School of Economics, fez um estudo sobre como economistas se comunicam e encontrou que a linguagem usada no Twitter – ferramenta cada vez mais usada para tornar a comunicação entre comunidade científica, governo e povo mais direta – é mais difícil entre economistas que profissionais das ciências naturais, famosas por temas de difícil compreensão. Também que a interação com pessoas de fora da área e leigos é menor e em tom mais distante, formando uma bolha. Há, portanto, um problema que não deve ser ignorado, principalmente quando se trata de políticas públicas. Alguém pode afirmar que o papel de ‘traduzir’ os objetivos econômicos de uma política pública para o povo é justamente dos profissionais da Comunicação, mas considero esta uma verdade parcial. Sim, quem vai executar a tarefa são eles, mas a forma como se planeja tal processo, o quanto se dá valor a esta etapa e a forma como se interage com tais profissionais pode influenciar o resultado. Principalmente considerando que a forma como a mídia reportará e massificará a informação estará relacionada não só aos documentos oficiais, mas à forma como ela é comunicada pelos canais oficiais.

Comunicação da política pública: uma etapa pouco valorizada

Nem toda política pública é criada ou liderada por economistas, mas a maioria possui alguma lógica econômica que precisa ser compreendida pelo povo. O sucesso ou fracasso, em certo grau, depende disto: uma política bem desenhada e mal compreendida pode ser politicamente derrotada por um povo insatisfeito assim como uma problemática pode perdurar positivamente no imaginário e ser bastante difícil de reformar. Um exemplo internacional foi a primeira tentativa de reforma do financiamento do ensino superior na Nova Zelândia nos anos 1990, comentada no livro “The economics of the welfare state” do economista Nicholas Barr. O texto da reforma era considerado quase perfeito por especialistas: praticamente tirado dos livros, eficiente e socialmente orientado. No entanto, a reforma foi revogada após derrota política nas eleições seguinte, o que foi posteriormente atribuído à falta de planejamento sobre como comunicar os mecanismos e impactos sociais positivos para a população.

No Brasil, dois casos se destacam: o Plano Real e a Lei Rouanet

O sucesso econômico do Plano Real acabou por colocar em segundo plano um ponto fundamental para tal sucesso: o esforço de planejamento de comunicação. Fernando Henrique Cardoso – talvez não coincidentemente sociólogo de formação e não economista – reconheceu a necessidade de uma estratégia de divulgação para que o povo pudesse compreender os complexos conceitos de Unidade Real de Valor, inflação inercial, âncora cambial e outros. Não só isso, mas também passar algum grau de confiança para uma população sobrecarregada com planos fracassados. Um diagnóstico econômico correto foi responsável pela estabilização da inflação, mas tanto não foi trivial o valor dado à comunicação que a principal assessora de imprensa do plano – a jornalista Maria Clara R. M. do Prado – participou de perto das etapas de desenvolvimento técnico e político. Tão de perto que depois lançou o livro ‘A real história do Real’ com detalhamento de todo o processo. Não foi, portanto, um movimento sequencial em que a equipe técnica construiu o plano e depois o responsável pela comunicação teve que dar um jeito de passar a informação. Houve uma estratégia consciente que integrou economistas e jornalistas. Isso pode fazer toda a diferença, mas ainda não é o raciocínio dominante para pensar etapas da construção de um plano. O Plano Real foi, portanto, não só uma inovação econômica, mas uma inovação na forma de pensar a divulgação de uma política pública estrategicamente. Deveria, então, ter se tornado referência de boas práticas também sob esse aspecto.

O mesmo não pode ser dito da Lei Rouanet, que tem sido alvo de diversos ataques pouco relacionados aos seus mecanismos e problemas reais. Disseminou-se uma ideia de desperdício de recursos públicos em projetos ideológicos que não se justifica após uma análise rápida dos princípios em que ela foi baseada e na forma de captação. A Lei Rouanet é de 1991 e instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) com a finalidade de captar recursos para o setor. Estabeleceu que projetos culturais que seguissem certas regras poderiam captar dinheiro com empresas, que receberiam benefícios fiscais como incentivo para financiar tais projetos. Não entrando no mérito das vantagens e desvantagens do modelo, o fato é que não são usados recursos do orçamento. Esse tipo de política pode ser associado a visões mais liberais por buscar desenvolver o setor através de leis de incentivo via mercado ao invés de provisão direta de recursos. No entanto, o PRONAC ainda é entendido pelo povo brasileiro como um excesso de intervencionismo estatal vindo de uma visão econômica anti-liberal. Certamente o grau de desinformação sobre a Lei Rouanet tem diversas dimensões e demanda uma análise mais profunda que remeta inclusive à desvalorização histórica da política cultural no Brasil, mas aqui vamos focar no esforço de comunicação.

Diferente do Plano Real, que já nasceu com uma estratégia de divulgação pensada, a lógica de comunicação do PRONAC segue a regra de haver uma preocupação menor em integrar processos técnicos e de comunicação de maneira consciente. Houve uma deficiência na forma como os governos endereçaram a comunicação da política desde sua origem e uma negligência em corrigir percepções sobre seu funcionamento e relevância. Não que a Lei Rouanet não tenha problemas, possui muitos na verdade, mas os debates são pautados por uma visão distorcida de quais são eles, o que é prejudicial para o setor. Com esse tipo de dinâmica, ainda que não tivesse quaisquer defeitos, seria um projeto praticamente fadado ao fracasso no campo político.

O caminho é a integração

A reflexão que busco é que economistas e formuladores de políticas públicas precisam mudar a forma como lidam e valorizam a comunicação de seus projetos porque a etapa de divulgação é fundamental no sucesso da implementação e no apoio da sociedade civil. O profissional da comunicação deve acompanhar o desenvolvimento técnico e político de perto para que exerça sua função com mais material e dominância do conteúdo. Falta a nós economistas exercer uma das primeiras, mais fundamentais e menos lembradas características da nossa profissão: a interdisciplinaridade. Não há e nem pode haver a imposição da lógica econômica sobre outras áreas. Enquanto economistas perceberem seu trabalho como principal e o do profissional da comunicação como apêndice, ocorrerão falhas que não poderão ser explicadas somente pela teoria econômica e desinformação será espalhada entre a população. O que precisamos, portanto, é de mais integração e menos hierarquia. Como economista, garanto que não é um exercício simples ou trivial, mas não é por isso que é menos necessário.

Bruna Cataldo é economista pela UFRJ e mestre e doutoranda em Economia pela UFF. Suas pesquisas atuais são na área de Educação e Economia Criativa, com enfoque em políticas públicas. Pesquisou e eventualmente colabora em trabalhos de Economia da Inovação. É defensora de uma abordagem mais interdisciplinar da Economia.