NOVA COLUNISTA: Adriana Linhares - As definições de luxo foram atualizadas com sucesso.

Permita-me voltar no tempo. Há exatos seis meses. Fim do ano, certo? Planos à vista e eis que a Mega Sena acumula o montante de R$ 50 milhões. Para não perder a tradição, surge aquela perguntinha-clichê: ‘O que você faria se ganhasse sozinho o primeiro prêmio?’. Viajaria pelo mundo? Compraria uma Ferrari? Viveria nas Ilhas Canárias? Renovaria todo o guarda-roupa uma vez ao mês?

Sonhos. Sozinhos nos fazem voar longe a ponto de nos descolar da realidade. As respostas acima, aliás, não vieram (apenas) da minha imaginação, mas de feedbacks dados em entrevistas que a cada fim de ano se repetem com a mesma temática. São planos extravagantes, especialmente se pensarmos na viabilidade de se manter bens de consumo que são, em sua maioria, passivos financeiros. Ou, em bom e claro português, especialistas em moer dinheiro vivo. Como o IPVA de um carro dessa categoria, por exemplo.

Agora venha aqui para o presente. Se essa mesma entrevista fosse feita agorinha, não duvido que uma das respostas fosse, por exemplo, ‘financiar uma vacina com entrega prevista para o final do mês e imunização eficaz’. Ironia ou não há, sim, o que o dinheiro não seja capaz de comprar (nesse caso, não de forma imediata). A lente da realidade se ajustou em questão de meses e o conceito de luxo foi atualizado com sucesso.

Tocando na ferida

Basta olhar o entorno ou, para os mais céticos (e menos empáticos), conferir os números para elevar a percepção dos fatos (se ainda for necessário). O desemprego chega a (pelo menos) 12,6%, embora esses dados sejam subnotificados (https://bit.ly/3fAHR7t). Já o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede níveis mundiais de educação, saúde e padrão de vida pode cair pela primeira vez desde 1990 (https://glo.bo/2DRr5mR), ano em que o conceito foi criado pela Organização das Nações Unidas. Em 2019, o Brasil figurava na 73a. posição desse ranking. Agora, sabe lá Deus. E pensar que não sabemos até quando viveremos tudo isso. Toquei na ferida? Talvez na minha ou na sua e, especialmente, na de quem, infelizmente, vive em situação de vulnerabilidade. Mas não na de todos os tripulantes desta viagem.

Primo rico, primo pobre

Falando em canoas e em transatlânticos, como vai o mercado de luxo em 2020? Muito bem, obrigado. Passando por essa editoria no site da Forbes, encontro notícias recentes que poderiam ter sido publicadas há um ano, por exemplo, quando sequer esperávamos vivenciar este cenário. Duvida? Espia só.

12/07/2020 – Bulgari lança coleção Barocko com peças únicas (https://bit.ly/3h4RED5)

09/07/2020 – As 25 marcas de uísque mais vendidas no mundo (https://bit.ly/2DGfOFA)

30/06/2020 – Os melhores passaportes do mundo para viajar (https://bit.ly/2Owx5DC)

11/06/2020 – Guia traz roteiro para 24 horas em Moscou (https://bit.ly/3j8MFDo)

08/06/2020 – Cartier anuncia três novas peças da linha Rotonde (https://bit.ly/3j7K4tp)

20/05/2020 – Oito praias paradisíacas para curtir a primeira viagem pós-pandemia (https://bit.ly/3h62dpD)

‘Alguém aí falou em Covid-19?’. Opa! Bem-vindos à realidade. Pelo menos de grande parte da população que tem como preocupação este estranho contexto.

O que diz a história

Observar o comportamento desse mercado me faz pensar que evoluímos pouco ou nada de distorções (do auge) da nobreza nas cortes da Europa, por exemplo. Castelos como moradas, banquetes no cardápio rotineiro, vestimentas adornadas em ouro e pedraria. Aliás, no Brasil temos versões de ostentação que permanecem, apesar dos pesares, como o auxílio-paletó mensal concedido a parlamentares (https://bit.ly/3fzcFFT), entre outros benefícios que beiram a aberração. ‘Assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade’, como já bem disse Lulu Santos.

Com os pés no chão batido

Para além dos excessos, o certo é que, para reles mortais, não há dúvida que o luxo agora tem um novo sentido. É a liberdade de sair às ruas livre de máscaras, álcool em gel e medo. Poder almoçar entre familiares e amigos sem distanciamento. Brincar com os filhos no parque sem que o contato com outras crianças seja perigoso. Estar no meio do público naquele show ao ar livre (cantando alto e junto). É dividir a intimidade com quem amamos (nem todos podem). Saúde, paz de espírito, fé no futuro, despensa cheia e muita coragem. O sumo, o extrato, o essencial.

Luxo que chega a transcender recursos materiais e nos joga na cara o que, de fato, importa na vida. Não tenho dúvida que vamos fazer desses valores inegociáveis. Enquanto não podemos desfrutá-los, por aqui fico com a genial Rita Lee, que há tempos emplacou reflexões sobre preço e valor. ‘Não quero luxo, nem lixo. Meu sonho é ser imortal, meu amor. Quero saúde pra gozar no final’.

E para você, o que era e agora se tornou a definição de luxo?

Adriana Linhares possui sólida experiência em comunicação corporativa construída ao longo dos últimos 20 anos nos setores de educação, saúde, bem-estar, terceiro setor e indústria. Jornalista e especialista em gestão estratégica, atua como produtora de conteúdo e copywriter em projetos de marketing de conteúdo e marketing inbound.