NOVA COLUNA: 'ENTRELINHAS' - Reflexões sobre o que a comunicação diz, o que o silêncio revela e o mercado percebe. Por Manuella Borges.

Objetivo da Coluna: uma coluna para provocar, desafiar e aprofundar a compreensão sobre o papel invisível, mas determinante, da comunicação nas organizações.

Mais do que campanhas e slogans, comunicação é gestão estratégica, tomada de decisão, cultura, tecnologia e, acima de tudo, reputação. É o fio invisível que conecta o que as empresas fazem, o que elas dizem. E o que o mercado percebe.

Vamos discutir como a reputação não é um ativo intangível por acaso, mas o resultado inevitável das escolhas de comunicação, sejam elas intencionais ou não. Esta é uma coluna para quem entende que não existe reputação sem comunicação consistente, nem comunicação sem impacto reputacional. Um espaço para expor os pontos cegos, desafiar as narrativas fáceis e discutir o que poucos têm coragem de dizer (e que as lideranças não podem mais ignorar).

Porque, no fim, reputação é o que o mercado diz quando o líder se cala, e comunicação é o que o líder faz quando pensa que ninguém está olhando.

Categorias de discussão:

1. Estratégia
2. Gestão
3. Tecnologia
4. Branding
5. Crises & Polarização

Texto de estreia: Comunicação estratégica – o ponto cego das decisões de negócio. Quando a comunicação não é considerada, o risco reputacional já começou.

Existe uma zona de silêncio nas salas onde se tomam decisões importantes.

Ali, números são discutidos, projeções são validadas, riscos operacionais são analisados.

Mas a comunicação raramente é tratada como um vetor estratégico. Ainda que esteja presente nas consequências, ela está ausente nos debates.

É como se a reputação fosse um efeito colateral da execução, e não parte central do planejamento.

O problema invisível

Muitos líderes ainda enxergam a comunicação como um instrumento para anunciar o que já foi decidido. Um “como dizer” que entra depois do “o que fazer”.

Essa visão simplifica demais o que, na prática, é muito mais complexo: toda decisão é também uma construção narrativa. Ela comunica intenções, valores, prioridades e riscos. Mesmo quando não se pretende fazê-lo.

Como lembra Henry Mintzberg, a estratégia não é apenas o plano declarado; é o padrão de comportamentos e escolhas acumuladas ao longo do tempo. E como aponta James G. March, decisões são tomadas em ambientes de ambiguidade, onde preferências e consequências não são completamente conhecidas. Nesse terreno, a comunicação age como estrutura de sentido, ou de ruído.

Casos em que o não dito disse tudo

Demissões em massa com comunicados frios e impessoais não afetam apenas o clima interno. Elas corroem a confiança do mercado e expõem incoerências de discurso.

Lançamentos estratégicos que ignoram sinais culturais ou sociais, como já vimos em campanhas mal recebidas por insensibilidade ou oportunismo, não são erros de marketing. São falhas de alinhamento reputacional.

Fusões e aquisições mal comunicadas deixam vácuos de informação que são preenchidos por rumores. E isso custa mais do que uma boa assessoria: custa reputação.

O que estamos ignorando

Se reputação é percepção sustentada no tempo, e percepção nasce da comunicação (ou da ausência dela), por que seguimos tratando comunicação como execução e não como competência estratégica?

A resposta pode estar no medo de encarar a comunicação como espelho. Ela revela o que as decisões realmente dizem sobre uma liderança, e nem sempre isso é confortável.

Para pensar (e discutir)

● Quais decisões recentes da sua organização foram pensadas sem um olhar comunicacional desde o início?
● Que riscos reputacionais poderiam ter sido evitados com um posicionamento claro, honesto e estratégico?
● Quantos conselhos e comitês ainda veem comunicação como um relatório de ações e não como um campo de antecipação, alinhamento e direção?

A comunicação não é a última etapa da estratégia. Ela é a sua manifestação pública. Ignorar isso é ceder à ideia de que reputação pode ser gerida no improviso.

E se reputação é o que o mercado percebe, então a comunicação é a lente. A pergunta é: quem está cuidando dela enquanto você toma decisões?

Referências bibliográficas:

MINTZBERG, H. Ascensão e queda do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2006.

MARCH, J. G. Primer em tomada de decisão: como as decisões acontecem. Porto Alegre: Bookman, 2009.

Manuella Borges é estrategista de reputação, consultora em comunicação institucional, fundadora do Reputation Architect e editora da newsletter Reputation Inc. Conta com passagens por corporações como Itaú, Accor Hotels e agências de comunicação e, atualmente, é advisor e mentora para empresas e líderes que buscam alinhar discurso, cultura e percepção de marca. Além disso, é Diretora de Comunicação da ONG Purple Field Productions, Executive MBA candidate pela IMD Business School (Suíça), e colunista no Portal O.C.I.