NO CORAÇÃO DAS COISAS - Desencontros. Por Mariana Machado de Freitas.

Nos últimos anos, nosso mundo tem parecido a brincadeira do telefone sem fio, não? Uma verdadeira Torre de Babel e um grande desafio.

Se expomos um conceito e pecamos por uma palavrinha, corremos o risco de ter toda produção de sentido desconsiderada: ‘pausa para a problematização do detalhe’.

Está sendo bom para vocês? Para mim, não. O mundo está parecendo mais afetado, falso e intelectualmente repressor. E eu, como artista, gosto das ideias grandes, dos sentidos amplos, da conversa honesta e fluida.

Parar toda a explanação de uma ideia por conta de uma palavra que ‘bate o alarme’ no ouvido do interlocutor é como parar o intercurso amoroso por conta de um zíper emperrado.

Inspirada nesses desencontros comunicativos, essa semana resolvi criar um pequeno e bem-humorado diálogo entre dois personagens por meio de uma ligação telefônica falha. E, claro, eles vão falar sobre o coração.

A ligação

– Sim, sim… Pois é… eu estava lendo numa revista de curiosidades que existem neurônios no coração. Você imagina só, o coração tem mesmo inteligência! Continuo achando que o coração é nosso inexplorado tesouro.

– A ligação está péssima… está falhando…. você falou que o coração tem ouro?

– Não. Mas sim… O coração tem ouro. Na verdade o ouro está espalhado por todo o corpo. Mas, por dedução, passa pelo coração também.

– Como é? Você disse que é um bem?

– Não. Mas sim… O ouro é associado à purificação, que é um bem, algo benéfico. Você sabe, os alquimistas transformavam chumbo em ouro. Há quem diga que a transformação era material, mas na visão de outros tantos, é uma transformação simbólica, psicológica, que acaba modificando a química do corpo, por extensão.

– Alô, cortou na parte da tensão, desculpa.

– Não era bem isso, mas… Veja, a tensão é própria da vida, própria da criação. Duas forças sempre lutam dentro de nós. Olha o nosso coração: sístole e diástole. Já imaginou se tivéssemos preferência pelo relaxamento da diástole ou só pelo rigor da sístole? Não haveria o pulsar.

– Expulsar?

– Recolher e expulsar, coagular e dissolver, inspirar e expirar… nossa, ouviu esse barulho? Acho que foi aqui na rua… Meu coração disparou. Ouviu o estouro?

– O que? Você disse que coração é um tesouro?

– Sim…

Mariana Machado de Freitas é gaúcha, Mestre em Artes Visuais, poetisa, escritora e buscadora da essência e do coração das coisas.